Olhar Mais de Perto

A arquitetura humana da justiça

Por Renata Amadio
Foto: divulgação
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Do mundo da arquitetura ao mundo do direito. Do choque inicial, ao pisar no Tribunal, ao aprendizado no mundo da Justiça. Não é nada fácil sair da área de conforto, encarar um concurso público e de um dia para outro estar dentro do maior tribunal da América Latina, ainda mais na área criminal. Vai dar certo?  Você não vai ficar impressionada? Perguntas que a minha mãe me fez e que nem eu sabia responder. Afinal estava lá para trabalhar, seria uma adaptação com muito aprendizado e tentaria não me impressionar com casos dos processos. Estava enganada, muito enganada. Não é apenas trabalhar, é fazer algo por alguém que está por trás daquele processo. Dever de fazer o que precisa ser feito para que ninguém espere por muito tempo uma resposta da Justiça. Mais importante ainda, fazer a sua parte e de forma correta.

Várias sessões de julgamento vieram, auxiliando como secretária, muitos casos, muitos réus, muitos debates. Mas sem contato direto com aqueles que iriam ser condenados ou absolvidos. Processos eram “números” que representavam histórias! Você não gravava o nome do réu, mas o número do processo. Mais alguns anos em gabinete de desembargador, mais aprendizado, mais trabalho administrativo, mas com pequenos detalhes que vão fazer diferença no futuro. Um professor, o desembargador, alguns assistentes jurídicos (com paciência), muita curiosidade e muitas perguntas. Você começa a decorar os nomes dos réus e saber detalhes dos casos.

Até que surge uma oportunidade: trabalhar mais perto da execução criminal, de outros órgãos que lidam com a área criminal.  Na Coordenadoria Criminal, uma das coisas mais marcantes que aconteceram, através do SEMEAR*, foi visitar o CR Feminino de Rio Claro, justamente no início de um projeto de pintura e com uma confraternização. Choro escondido, abraço em desconhecidas. Muito aperto no coração. Já nem sabia o que pensar. Uma certeza eu tive, desde que pisei no Tribunal já me envolvi, já me solidarizei, só não era tão emotiva ou era e não demonstrava. Só não era o mesmo envolvimento que exercer a arquitetura. Era mais pesado. Processos entram e saem todos os dias. Histórias parecidas, histórias marcantes. Tristes. Trágicas. Não conseguia imaginar o que uma pessoa privada de liberdade enfrentava. Muito menos imaginar o que já vinha sendo feito por essas pessoas e quantos órgãos públicos, sociedade civil e outros envolvidos se dedicavam à ressocialização.

Mais perguntas surgem, não só para mim, mas para todos que trabalham nos projetos de ressocialização das pessoas privativas de liberdade e dos egressos prisionais. Está dando certo o que fazemos? Como saber se está dando certo? Para quem está funcionando? Quem são essas pessoas privadas de liberdade? Participar diretamente, junto com várias outras pessoas, da aferição da reincidência criminal é poder acalmar o coração sabendo que sim, é possível recuperar um ser humano que um dia fez algo muito errado. É também ficar irada com aqueles que tiveram uma oportunidade de mudar para o bem e não a agarraram. 

Maior resultado pessoal conquistado: saber que o pouco que faço de alguma forma ajuda alguém, não importa como, onde ou quando. Super feliz em ter uma formação em arquitetura (ciências humanas) que também me faz olhar a área criminal e de execuções criminais de forma mais sensível e humana e menos burocrática.

Sobre o SEMEAR

O *Semear (Sistema Estadual de Métodos para Execução Penal e Adaptação do Recuperando) foi criado em 2014 por meio do provimento da Corregedoria Geral da Justiça do Tribunal de Justiça de São Paulo e tem como parceiros a Secretaria Estadual de Administração Penitenciária e o Instituto Ação pela Paz. O programa busca maior efetividade na recuperação dos presos e suas famílias.

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