Olhar Mais de Perto

A importância de estar mais perto de um olhar

Por Eugênio Liberatori Velasques
Foto: reprodução
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Quando eu tive a felicidade e a honra de ser convidado para escrever algumas palavras para esta coluna, corri para ler e ouvir outras publicações aqui realizadas e, confesso, o tamanho do desafio para elaborar este texto. Li e ouvi tanta coisa extraordinária, de “amor bandido” à grandiosa vitória da reintegração de mais um ex-detento, escritas e ditas por seres humanos incríveis, pessoas de grande valor, exemplos fenomenais relatados por aquelas e aqueles que se dedicam de corpo e alma ao que acreditam e realizam. Afinal, quem deseja um mundo melhor não tem direito a descanso!

Resolvi, então, utilizar o título da coluna para demonstrar qual o caminho que iria escrever e decidi dar o nome de: A Importância de Estar Mais Perto de Um Olhar. Procurando focar mais nas fases antes do delito, da detenção, da condenação e da reintegração. E tentar demonstrar que devemos ser mais generosos, mais tolerantes, mais resilientes e mais preocupados com os nossos próximos ou não.

Nasci no final da década de 50, em um distrito, São Mateus, do município de São João de Meriti (as apelidadas cidades dormitórios), na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro. Numa casa de um único quarto, sala, cozinha e banheiro. Porém, sem água encanada e os esgotos a céu aberto. Éramos seis, mas posso dizer que apesar das coisas humildes e simples, nunca nos faltou comida, fé, saúde, alegria e felicidade. Apesar de plana, uma área igual a esta, hoje, seria o que chamamos de favela ou comunidade.

Com o passar dos anos, os meus pais começam a ter uma vida melhor e mudamos para o centro do município, porém as características das famílias que ali moravam eram as mesmas do nosso antigo lar.

As pessoas que ali dividiam aquela parte da rua já moravam há tempos nela, se conheciam e como a construção do nosso novo lar, levou mais de 10 anos, erámos já conhecidos também.

A sociedade (quando me refiro à sociedade, eu estou incluindo todos os segmentos existentes em uma população, local ou mundial), neste caso a nossa vizinhança, no início dos anos 60 eram pessoas solidárias, de índole excelente, prestativas, respeitadas e, neste tempo, ser mais velho era um sinal de liderança. As tentações para o mal eram travadas no medo de decepcionar e envergonhar os familiares e vizinhos, logo qualquer delito não era praticado naquela região.

Meus pais deixaram para nós quatro, filhos, uma grande herança em vida, ou seja, uma excelente educação familiar e escolar. O valor financeiro junto com os valores preservados por uma boa sociedade, nos deram oportunidades de chegar aonde chegamos. Aqui vejo um exemplo da importância de estar mais perto de um olhar. O olhar de perto dos nossos pais nos tornaram em seres humanos melhores e vencedores.

Logo, sempre quando visitei ou visito uma favela ou comunidade, mundo a fora, não concluo pelo que vejo naquele momento da visita, pois eu vivenciei tudo aquilo que eu vi ou presenciei, é claro, em menor nível de tensão, pois hoje, ao contrário do passado, os que cometem delitos estão escondidos dentro da própria comunidade, onde pessoas de bem acabam sendo “escudos” para proteger aqueles que agem fora da lei. Isto, para mim, está representado no famoso adorno de alguns lugares: Nada vejo, nada escuto e nada falo!

Foto: reprodução
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O que mudou nestes anos? A sociedade se enfraqueceu, os bons valores foram se deteriorando, os mais velhos não são mais respeitados. A sociedade se apequenou e se tornou mais perversa, mais egoísta, foi perdendo a coragem de romper paradigmas e preconceitos e, com isto, a sociedade permitiu, sem perceber, que as facilidades do mundo atual e as suas tentações aumentaram exponencialmente. Não teve forças para enfrentar alguns grandes desafios.

Não é um problema tipicamente brasileiro, e sim um problema mundial!

Vou dar uma pausa aqui e escrever sobre duas situações, somente para ilustrar, como é importante estar mais perto de um olhar. A primeira situação é a do Dr. Brian Stevenson, advogado formado em Harvard, que resolve ir para uma pequena cidade no interior do Alabama, com a missão de tornar a justiça mais igualitária, entre brancos e negros. Naquele estado, sua jornada vitoriosa, em anos de lutas, conseguiu retirar do “corredor da morte”, mais de uma centena de condenados. Essa história está no filme, “Just Mercy” (“Luta por Justiça”), baseado no livro de mesmo nome onde o Dr. Stevenson conta suas memórias. Novamente temos a presença de estar mais perto de um olhar, pois foi assim que o determinado e incansável advogado conseguiu passar segurança e esperança para presos e familiares, que já as tinham perdido há muito tempo e principalmente aumentou o amor-próprio e autoestima dos integrantes daquela sociedade.

A outra situação envolve o emblemático 44º presidente dos Estados Unidos, Barak Obama, quando do final do julgamento, da sentença de condenação e prisão de um policial que matou um cidadão negro. Ele disse em entrevista: “É um passo importante, mas não podemos “baixar a guarda”! Sem querem questionar, pois não tenho a mínima pretensão ou legitimidade para isto, o Sr. Obama, quando disse, não devemos “baixar a guarda”, ele se referia para uma justiça mais igualitária. Mas poderia ter se colocado que um passo anterior deveria ser dado, realizando esforços para que delitos iguais a este não aconteçam mais, devia demonstrar que ter mais de perto um olhar para a sociedade.

As duas situações nos levam a evidente conclusão que temos sim, que ter uma justiça mais igualitária, sem levar em conta etnia, religião, formação, posição social e financeira, mas antes de tudo devemos ter uma luta diária, árdua, tenaz e persistente, de oferecer oportunidades igualitárias a todos, para que haja uma redução, durante o tempo, dos delitos e não de suas punições.

Voltando para estas duas citações, sigo: Temos que enfrentar uma luta diária, que se assemelha a quebrar feixes de bambu, não se quebra todos de uma vez, e sim, um de cada vez. A sociedade deve ter a humildade, a sabedoria e a coragem de quebrar paradigmas, enfrentar preconceitos e deixar um legado positivo, pois nenhuma corrente pode ser mais forte do que seu elo mais fraco (é um princípio antigo de liderança, mas cabe bem neste contexto).

Agora, vou utilizar parte de duas músicas para continuar tentando ilustrar, ainda mais, o que estou escrevendo. A primeira é “Minha Alma (A paz que eu não quero), do Rappa, onde destaco dois trechos: “A minha alma ‘tá armada” e apontada para a cara do sossego, pois paz sem voz paz sem voz, não é paz é medo” e “As grades do condomínio são para trazer proteção, mas também trazem a dúvida se é você que “tá” nessa prisão”. Quando a sociedade se faz pequena e não tem voz, ela está dizendo: O problema é das autoridades que não faz as pessoas cumprirem as leis, é do vizinho ou da família que não educou, é da situação do País, é de qualquer um, das instituições religiosas, do modelo educacional, menos dela. A sociedade quer sempre transferir a parte de sua responsabilidade ou culpar terceiros dela. Ela prefere estar protegida por grades e ficar calada e imóvel, pois é mais fácil do que tentar semear a importância de um olhar diferente nos locais que mora, frequenta ou convive, uma mobilização para transformar a situação e deixar um legado de um mundo melhor em paz.

A outra música é “Disparada”, de Théo de Barros e Geraldo Vandré: “Porque gado a gente marca, tange, ferra, engorda e mata, mas com gente é diferente”. E é muito, muito mesmo, diferente, mas preferimos “marcar” as pessoas no lugar de permitir dar a elas uma nova chance. As duas músicas demonstram o quanto é importante um olhar mais de perto e a importância, para a sociedade, de estar perto desse olhar.

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Em determinados momentos, nos esquecemos que fugindo de nossas lutas de nossas responsabilidades, estaremos sempre nas condições de perdedores e não devemos pensar sempre na nossa obrigação principal: deixar uma sociedade melhor, mais justa, mais integrada e mais igualitária para os nossos descendentes.

Escrevi este texto ao longo de um confinamento de 15 dias, em casa, já que estava vacinado, para tratamento da Covid-19, mas optei por durante três dias, uma sexta, um sábado e domingo, ficar totalmente isolado. Só saía para comer, não via ninguém, li muito, não vi televisão, meu único meio de comunicação era o rádio, sem qualquer interlocução pessoal e não acessei a internet e o WhatsApp usei somente para me comunicar com os médicos e com a família. Senti na “pele do lobo”, uma pequena amostra do que pode ser a vida de um detento. Não é fácil se sentir abandonado, sozinho e sem a falta de um olhar. Além do mais o estresse é o mesmo para um detento ou uma pessoa comum, pois temos sempre alguma coisa que nos faz ficar presos, há conceitos, regras, costumes, leis que regem a sociedade. Estes três dias me fizeram, com certeza, ser uma pessoa melhor.

Você já pensou na possiblidade de não conviver mais com a sociedade? Você já refletiu o que é estar detido ou preso? Que oportunidade para uma reflexão! Afinal, não gostaríamos para os outros aquilo que não queremos para nós, será? Mas voltemos ao tema após esta importante pausa, pois ela nos ajudará na conclusão do texto.

Sabemos que um dos maiores legados que podemos deixar para os que convivem e vivem conosco, seja familiar ou profissional, ou até mesmo desconhecidos, é a educação, aqui a educação em todos os sentidos que ela possa alcançar, a educação assim como a solidariedade se propaga em ciclos concêntricos. Uma pequena parcela, contínua, de investimento em educação pode mudar completamente o comportamento de uma sociedade, não é nenhuma novidade para ninguém. Um olhar mais próximo, uma dedicação incondicional e determinação e persistência implacáveis, servir como exemplos de melhores práticas, podem transformar a vida de milhares de pessoas e contaminar a sociedade, através de um ciclo virtuoso, de uma forma mais positiva e melhor. Mas pergunto: Estamos preparados para isto? Estamos dispostos a tomar este desafio como a maior forma de proteção que podemos ter? Para mim, proteger é um ato de amor. Não só para os meus, e sim para todos.

Se não fosse ter mais de perto um olhar, dos meus pais e de algumas pessoas que passaram na minha vida e me ofereceram várias oportunidades, hoje aos 64 anos, não teria tido a chance de sair de uma favela ou comunidade e ter chegado aonde cheguei, conforme descrito, abaixo, a minha jornada. Nunca deixei de receber um olhar e nunca deixei de aproveitar todas as chances que me forneceram ou presentearam. Como esta que estou vivenciando agora.

Caminhando para o encerramento do texto, devemos ter sempre em mente que toda vez que alguém comete um delito, pequeno ou relevante, a sociedade sofre, chora as suas perdas, de vidas ou e patrimônio, e ela, sociedade, também é detida, condenada e presa, perde parte de sua dignidade, muitas vezes através de uma pena muito dura, por não ser fazer presente com sua voz e o seu olhar sobre o próximo ou não. Independentemente de qualquer coisa, a sociedade sempre estará refém do que aconteça, se não fortalecer as ações e iniciativas já existentes e construir outras para que tenhamos uma vida melhor, pois “A Paz de Todos é a Sua Paz”.

Que Deus abençoe a sociedade brasileira e desejos que seu olhar possa iluminá-la, para que ela inicie uma caminhada vitoriosa para um futuro grandioso!!! Mas em nosso caso o “milagre” tem que ser realizado pela sociedade!!!

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