Olhar Mais de Perto
A paz começa em mim
Por Adriana Fortunato
Em 2015, eu me envolvi com um rapaz, com dois meses, ele, sem me dizer o que tinha numa mochila, deixou-a guardada em minha casa, dizendo que já viria buscar. Eu, como acreditava muito nas pessoas, confiava demais, não vivia no meio de pessoas do crime, deixei a mochila lá, sem imaginar que dentro dela havia drogas.
Em seguida a polícia chegou em minha casa e pediu para fazer uma vistoria e deixei, pois, para mim, não tinha nada de errado. Quando uma policial me disse que já havia prendido o rapaz e ele falou o que tinha na minha casa e que eu não sabia de nada, fiquei tranquila, afinal, não tinha o conhecimento e não pagaria por algo que não fiz. Porém, quando fomos a delegacia, o rapaz não falou mais nada e eu acabei ficando presa junto com ele.
Meu mundo desabou! Eu na cadeia, nunca me envolvi com nada ilícito. Vinham os pensamentos em como isso iria manchar a minha imagem, sobre o que meus filhos iriam pensar de mim e como isso me prejudicaria no meio profissional. Eu já não poderia resolver nada, estava presa e sendo tratada como uma criminosa. Trabalho desde os meus 15 anos na área de administração de empresa, agora sendo julgada como uma criminosa, traficante. Eu não podia acreditar e não conseguia aceitar, por várias vezes pensei que não suportaria.
Passaram-se seis meses, fomos para audiência e eu consegui minha liberdade provisória, poderia voltar para casa e recorrer em liberdade. Que felicidade poder estar perto dos meus filhos. Mesmo sabendo que estaria respondendo a um processo, eu tinha certeza de que tudo daria certo, pois eu era inocente, não tinha o porquê ser condenada. Iria conseguir provar e acabar com esse tormento na minha vida.
O rapaz, eu nunca mais quis saber, nem ver ou ouvir falar, pois ele só estragou a minha vida. Bom, passaram-se quatro anos recorrendo e todos os recursos sendo negados. Eu continuava trabalhando na minha área, vivendo a minha vida honesta que sempre tive, mas eu sofria de uma depressão na qual não sabia mais o que fazer para me livrar dela.
Morava sozinha com meus filhos, mas me sentia sempre sozinha. Eu sempre fui carente de amor, minha mãe é muito fria, agressiva, me julgava por tudo, falava que eu nunca iria conseguir nada na vida porque eu era inútil. Eu nunca entendi o porquê dela me desejar tão mal, pois eu era sua filha. Eu amo meus filhos e jamais falaria palavras tão duras para eles, por que ela é assim? Por que ela não demonstra que me ama? Por que ela não se importa se eu estou sofrendo ou não? Enfim, eu nunca entendi o jeito dela e isso me atormentava desde a infância.
Meu pai era alcoólatra. Quando eu tinha 26 anos ele foi diagnosticado com câncer e eu o levei para morar comigo e cuidar dele. Meu pai sempre foi muito amoroso, preocupado comigo, ficava feliz com minhas conquistas e me ajudava sempre que possível. Ele foi curado do câncer e passou a viver sua vida sozinho perto de casa. Todos os dias meu paizinho passava para saber se estava tudo bem, para saber do meu emprego novo e sempre me dizia: “você não vai voltar mais para a cadeia, você não é criminosa”. Sempre tão presente, foram alguns anos de convivência, mas foram essenciais para eu sentir que tinha família. Eu me sentia feliz por tê-lo por perto, como eu o amo.
Bom, mas a depressão me perseguia, pois eu via amor em qualquer lugar, o pouco que me demonstrassem desse sentimento eu já me envolvia, sentia a necessidade de ser amada e cuidada por alguém. Por essa carência, acabei me envolvendo novamente com uma pessoa que me fez sofrer muito. Eu o conheci na igreja, mas depois de um tempo ele me mostrou quem realmente era: dependente químico e vivia tendo recaídas.
Busquei ajuda de todas as formas para vê-lo curado, eu o amava e o achava uma boa pessoa. Éramos felizes quando ele não usava drogas, então não podia aceitar minha vida ser destruída por causa disso. Acreditei que ele mudaria e, mais uma vez, fui adoecendo por não conseguir ver a mudança, até que eu desisti do meu casamento. Temos um bebê juntos, eu precisava sustentar agora mais um filho e ele me trazia muita preocupação. Eu não trabalhava tranquila, então abri mão desse amor.
Mais uma vez um relacionamento frustrado, mas eu não conseguia ficar sozinha, pensava que necessitava ter alguém comigo para me sentir feliz, mesmo que esse alguém não estivesse me fazendo realmente feliz. O sofrimento, a depressão, o sentimento de fracasso me dominavam e eu estava perdida, presa em um sentimento, em muitas mágoas, muitas culpas que não eram minhas, mas que eu não sabia como me libertar. Já havia passado com psicólogas, psiquiatras, mas dentro de mim ainda algo estava errado.
Em 2020, quase cinco anos após eu ter sido presa, vieram me buscar novamente dizendo que tinha sido condenada a uma pena de 5 anos e 10 meses e teria que voltar para cadeia. Meu mundo desabou. Estávamos eu e meus três filhos em casa, era um sábado e eu estava de folga. Há dois meses tinha entrado em um emprego de segunda a sexta, a dez minutos de casa, e eu pensei “perdi tudo de novo. O que vai ser do meu bebê de apenas um aninho? Meu filho vai fazer 18 anos!”. Eu precisava estar perto deles nessa fase. Eu sempre acompanhava meu pai nas consultas e exames, meu maior medo era que ele não fosse aguentar me esperar. O sofrimento tomou conta de mim, eu não aceitava isso para minha vida, mas, novamente, estava lá.
Passaram dois meses que estava presa, começou a pandemia e eu sentindo a necessidade de cuidar de meu pai e de meus filhos. Mas não deu tempo e chegou a mais triste notícia: meu pai veio a falecer. Consegui ir ao velório escoltada para poder me despedir dele. Meu advogado correu atrás, pois sabia que éramos muito ligados um ao outro.
Entrei num abismo, vivia de calmante, não aceitava a partida dele, chorava todos os dias, pensei em me matar. Então um advogado foi me ver, ele foi enviado pela empresa que eu trabalhava. Nem acreditei, eu só estava a dois meses lá, eles confiavam em mim, era cargo de confiança e eu trabalhava muito bem, mas precisaram me demitir, porém, contrataram este advogado para atuar no meu caso. Eu havia conseguido uma progressão de regime, para o semiaberto. Então, fui transferida para o Centro de Ressocialização Feminino de Piracicaba, em outro lugar, com pessoas diferentes.
Cheguei lá e me senti mais presa, o sofrimento me deixava cada dia mais abalada, a pandemia me deixou sem ver meus filhos e meu irmão e tinha acabado de perdeu meu pai. Eu estava sozinha e tendo que enfrentar tudo sem um abraço da minha família. Meu pai me deixou e eu não posso nem estar do lado das pessoas que amo para passar esse luto.
Pedi um atendimento com a diretora, a Drª. Celeste Abamonte, e falei com muitas lágrimas tudo que eu estava passando. Ela me olhou nos olhos e disse: “você vai aguentar. Você é forte, pensa nos seus filhos. Seu pai não iria gostar de ver você assim. Você precisa reagir. Pega algum livro para ler”. E eu ficava me questionando se ler livros realmente me ajudaria.
Dei um primeiro passo e passei a ler livros de autoajuda e começou a surgir resultados. Eu comecei a identificar o meu problema, mas ainda estava bem deprimida. Drª Celeste me colocou para participar do projeto “Paz no Coração, Liberdade na Prisão” (saiba mais do projeto aqui) desenvolvido pela terapeuta voluntária Rita Duenhas, que chegou na unidade com o apoio do Instituto Ação Pela Paz. Todo dia uma palestra me comovia e me fazia olhar para mim, me amar, me enxergar. Eu comecei a pôr em prática tudo que estava aprendendo, reconheci onde estava tanta dor e que eu precisava olhar mais para mim. Cada dia, cada palestra foram extremamente importantes e eu me identificava com cada uma e em todas aprendi algo.
Voltei a sorrir, comecei a ver tudo que estava passando de outra forma, comecei a ajudar outras pessoas, muitas meninas me procuravam para ouvir meus conselhos, falavam que queriam ser como eu, que sempre trabalhei honestamente para criar meus filhos, sozinha, nunca precisei ir para o caminho errado para viver bem. Meus dias começaram a ser mais leves. Eu aprendi que não precisava ter uma pessoa do meu lado para ser feliz, que eu precisava me amar. Aprendi que minha mãe tinha aquele jeito mesmo e que eu precisava apenas amá-la, fazer a minha parte. Consegui mandar uma carta para ela e isso foi libertador.