Olhar Mais de Perto
A paz para recomeçar
Por Rita Duenhas
O convite para escrever chega em um momento de profundas reflexões que venho realizando sobre o papel da sociedade em conhecer um pouco mais sobre o que de fato leva as pessoas a fazerem parte da população carcerária.
Em 2019, recebi o desafio de realizar um trabalho de Harmonização das Relações Familiares no centro de Ressocialização de Rio Claro e foi uma experiência que mudou completamente meu olhar e minha forma de encarar a vida.
Me deparei com histórias de vidas profundas, doloridas e muitas vezes caóticas, mas pude ver como um processo terapêutico pode ser regenerador e capaz de fortalecer pontos tão ricos nas pessoas que muitas vezes elas não sabiam que possuíam dentro delas.
Uma das frases que mais escutava era: “Nunca ninguém me disse isso, eu não sabia que tinha valor”.
A grande maioria vem de lares desestruturados e com marcas no corpo e na alma de profundos desequilíbrios, esta realidade mudou meus conceitos e julgamentos, me fez compreender que a pessoa não é o erro que ela cometeu e que ela pode sim rever suas ações, se conscientizar, renovar sonhos e objetivos.
Este trabalho que foi realizado iria começar a ser estendido a população carcerária masculina no ano passado, quando chegou a pandemia.
Os dois primeiros meses de isolamento foram extremamente desafiantes e incertos, muitas noites em claro e um pensamento que não saia da minha mente: se está difícil para mim como estão as pessoas presas sem direito a visitas, com toda esta atmosfera de incertezas e medo no ar.
Em uma dessas noites me sentia presa, angustiada e perguntava a mim mesma: “Rita, do que você precisa?” E a resposta que sempre vinha era: “Paz, paz na minha alma, paz no meu coração”. E foi assim que nasceu o Paz no Coração Liberdade na Prisão, um projeto para levar palavras de Paz e dicas de como obtê-la independentemente do lugar que esteja.
A rede de palestrante foi acionada e amorosamente todos toparam o desafio e três meses depois o projeto já estava sendo implantado em unidades femininas e masculinas em São Paulo. São 21 palestras com temas relacionados a paz e meditações práticas para serem realizadas no dia a dia.
Como abordamos temas mais delicados e que mexem profundamente com o emocional dos reeducandos, criamos uma forma de nos comunicar com eles através de cartas eletrônicas. Neste espaço temos a oportunidade de estabelecermos um contato mais direto e afetivo e essa experiência tem sido de uma riqueza incalculável, muitos reeducandos relatam que, para eles, receber uma carta é como se fosse uma visita.
Todos ganham nesta troca, pois os voluntários relatam o quão rico tem sido esta experiência na vida deles, o quanto a visão deles sobre a população carcerária mudou.
Acredito muito que estas trocas nos tornam mais humanos e responsáveis para termos uma sociedade mais empática e sensível à realidade que cerca a grande maioria das pessoas.
Os relatos que estamos recebendo das transformações no ambiente carcerário e na vida dos reeeducandos me dá mais força para continuar com trabalhos emocionais que possam amenizar as dores e oferecer caminhos de cura para uma vida com mais equilíbrio e opções valiosas.
Como sempre digo nos trabalhos, “quem eu Fui, quem eu Sou quem eu Serei, começa agora”.
Esta frase nos lembra a força e o poder de sempre recomeçar.
Estes projetos me dão esta força e a esperança de dias melhores e de uma sociedade mais humana.