Olhar Mais de Perto
A responsa é de cada um de nós
Por Karine Vieira
Meu nome é Karine Vieira, completei 41 anos, agora, nesse mês de setembro de 2022. Tenho satisfação em viver e fazer o que faço. Aproveito intensamente todos os momentos, todos os dias, horas e minutos, sem preguiça, sem desânimo, buscando desviar dos obstáculos e solucionando os desafios diários. Resiliência é minha palavra de força, de guerra.
Nascida em 1981, filha de pais separados, tive acesso à educação, cultura, saúde, tive diversas oportunidades. Aos 13 anos na rua, na quebrada, no meu grupo social, eu ingressei no mundo do crime.
Sempre fui independente, minha mãe trabalhava e eu cuidava do meu irmão. Antes de ingressar no crime, arrumei um trabalho temporário no shopping, minha mãe não concordava, pontuava diversos obstáculos, obrigações escolares, obrigações em casa etc. "Foi muita treta"!
Estudava, trabalhava, chegava da escola, almoçava e ia ao shopping, voltava do trabalho às 22h30, a louça me esperava na pia, lavava, tomava banho e dormia. Foi um período de muitos conflitos em casa e naquele ano reprovei na escola.
Depois disso os conflitos ficaram mais intensos dentro de casa. Em contraponto, na rua, no meu grupo e com os meus parceiros e parceiras eu me sentia bem, era compreendida. Ali eu era acolhida, foi quando o crime ganhou espaço em minha vida.
Foram diversos delitos, desde furto, assalto, estelionato, até o tráfico. Sempre fui destemida, determinada e objetiva. Nunca foi difícil ganhar credibilidade e confiança das pessoas, simplesmente pelo fato de ser eu mesma em qualquer lugar.
Aos 17 anos, na “vida loka”, engravidei da minha primeira filha, a Thayná. Foi um período difícil, ela precisou fazer diversas cirurgias por ter lábios leporinos. Me afastei da criminalidade por três anos e consegui uma oportunidade de trabalho na empresa Varig. No entanto, a relação com o pai da minha filha ficou difícil com o fato dele fazer uso abusivo de drogas.
Na ocasião, rompemos a relação e fui morar sozinha com Thayná. Comecei a sair novamente e encontrar vários parceiros e aos poucos fui voltando para o mundo do crime. Quando fui dispensada do trabalho de dois anos, deixei minha filha aos cuidados da avó paterna e caí de cabeça no mundão.
Aos 22 anos fui presa por tráfico de drogas e associação ao crime, na ocasião por um crime que não havia cometido. Fiquei encarcerada, por aproximadamente, seis meses, até conseguir a absolvição. Saindo do cárcere, permaneci na criminalidade, essa era minha correria e eu não enxergava outras possibilidades.
Logo em seguida conheci o pai dos meus filhos mais novos, Ryan e Lucas. Em 2006 engravidei do Ryan, mas, mesmo assim, permaneci no crime.
Em 2008 eu estava cansada e exausta de empreender em uma realidade na qual eu perdia pessoas do meu convívio, visto que elas iam para o cárcere ou perdiam seu bem mais precioso: a vida.
Decidi mudar minha realidade!
Decidi que eu queria deixar bons exemplos e perspectivas aos meus filhos. Sentia a necessidade de trilhar outros caminhos e viver novas oportunidades. Precisava começar de algum lugar, assim, me matriculei na escola, fui cursar o EJA (Educação de Jovens e Adultos) e prestei a prova do Enem. Consegui um bico pra gerar renda, era um bazar e papelaria, ganhei a confiança das pessoas e fiquei trabalhando no local por um ano e três meses.
Aos poucos as coisas começaram a fluir, os caminhos se inovaram e eu enxerguei essa inovação.
Em 2009 finalizei o EJA, em 2010 iniciei a faculdade, no mesmo ano fui trabalhar como secretária no escritório de um grande administrador judicial. Em 2013 finalizei a graduação e nasceu o meu filho caçula, o Luquinhas.
Iniciei minha atuação como assistente social em 2014, em um serviço de medida socioeducativa. Foram quase dois anos de experiência e, na sequência, em 2015, assumi a coordenação do projeto “Segunda Chance” do Afroreggae, núcleo de São Paulo. O Afroreggae encerrou o trabalho em dezembro de 2016, no entanto eu continuei atuando de maneira voluntária, atendendo pessoas em parceiros e em outros locais.
Em 2017, conheci as queridas Claudia Cardenette e Solange Rosalem, do Instituto Ação Pela Paz. Na ocasião, elas se interessam por minha trajetória e minha história. Participei de um encontro em que a Solange estava inserida, um encontro que promovia a discussão sobre sistema prisional. Nesse encontro também conheci Patrícia Villela, do Humanitas360 e ganhei mais uma incentivadora, assim como Claudia e Solange.
Patrícia me incentivou a escrever um projeto meu, baseado em minha experiência pessoal e profissional. Entrei num programa de fellows da Humanitas360 e, ao mesmo tempo, recebi apoio do Ação Pela Paz para implantar o projeto inicial, que iniciou o acompanhamento formal em dezembro de 2017.
No ano seguinte, em 2018, iniciamos o acompanhamento do projeto que gerou como resultado o primeiro recurso que possibilitou a efetivação do programa principal do Instituto Responsa, o “Recriar e Inserir”, que possui o objetivo de contribuir na inclusão social da pessoa egressa do sistema prisional por meio da geração de renda lícita, assim contribuindo para diminuição da reincidência criminal.
Já são quase cinco anos de trabalho, de apoio em nossos processos e de acompanhamento de resultados. Desde 2018, quando nos formalizamos, já atendemos mais de 2.200 pessoas egressas do sistema prisional, capacitamos mais de 1.700 e proporcionamos a geração de renda a mais de 1.100.
O Responsa é minha vida, é uma história de superação que deu certo e está sendo replicada.
O Responsa é a Fênix, a desconstrução e a reconstrução diária.
O Responsa sou eu!
Foto de perfil: Helcio Nagamine/Estadão