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A vulnerabilidade social e os reflexos no sistema prisional

Por Jean Ulisses Campos Carlucci
Foto: reprodução
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Os mais de 20 anos dedicados ao sistema prisional paulista me faz refletir sobre os altos índices de encarceramento. Tenho a impressão que o sistema penitenciário é, na verdade, reflexo da realidade social na qual nos deparamos. São várias as razões pelas quais me coloco a pensar sobre o número de pessoas privadas de liberdade no Brasil ser o terceiro maior do mundo.

Por que há um grande número de pessoas encarceradas por envolvimento com o tráfico de drogas? Será que é em virtude do grande número de dependentes químicos existentes, que acabam sendo aliciados pelo mundo do crime? Ou ainda: qual o motivo pelo qual a outra grande parcela de prisioneiros está relacionada à prática de crimes contra o patrimônio?

Diante de tantas possibilidades, chego à conclusão que as motivações podem ser pelas mais diversas razões, como a vulnerabilidade social causada pela falta de distribuição de renda, o desemprego, a desestrutura familiar. Enfim, sejam lá quais forem os motivos, o fato é que, todas as vezes que uma pessoa dá entrada no sistema prisional, entendo que o coletivo falhou. Sim, entendo que os pais, a educação, a igreja e as ações sociais falharam. A sociedade como um todo fracassou.

É perceptível a necessidade de reavaliar conceitos e buscar outras alternativas. Quanto ao sistema penitenciário, cabe sim, cumprir sua função legal de desenvolver atividades para que o indivíduo volte ao convívio social melhor do que chegou, sem perder de vista a missão de garantir a segurança da sociedade.

Foto: Marcos Ferreira | Ação Pela Paz
Foto: Marcos Ferreira | Ação Pela Paz

Nesta vertente de socialização, a atuação da Secretaria da Administração Penitenciária é abrangente, atuando com condenados a penas restritivas de direitos, privativas de liberdade, com os egressos e ainda apoiando seus familiares. No entanto, a simples custódia não é a solução para termos uma sociedade mais segura como muitos imaginam.

Dentre os diversos exemplos que tive na carreira de agente de segurança penitenciária e como gestor prisional, cito experiências recentes, uma delas extraída de rápida conversa com um custodiado, privado de liberdade há 14 anos. Observei que estava diante de um exemplo clássico de que o sistema penitenciário proporcionou condições que lhe auxiliarão na retomada da sua vida em liberdade. Este sentenciado me disse que fora alfabetizado no cárcere, atualmente cursa o Ensino Médio, e aprendeu uma profissão – a de pedreiro – cujo ofício executava enquanto conversávamos.

Sempre com palavras de gratidão ao mencionar o nome de vários servidores com quem conviveu nas unidades penais por onde passou, os quais alguns eu conhecia, o que deixou a conversa mais amistosa. Ele foi beneficiado com o regime semiaberto e demonstrou estar muito ansioso para alcançar o regime aberto, causando-me forte impressão de que o apoio familiar e a religião estão sendo primordiais para incentivá-lo a não voltar a praticar novos crimes.

Outro caso recente que trago foi o relato da história de vida de uma custodiada, revelado durante uma reunião virtual, que emocionou a todos os participantes. Ela compartilhou que descobriu o amor próprio e a autoestima com a ajuda do projeto “Paz no Coração, Liberdade na Prisão”, idealizado pela terapeuta voluntária Rita Duenhas e apoiado pelo Instituto Ação Pela Paz, por meio do Programa Semear do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Voltado à inteligência emocional, por causa da pandemia, este projeto está sendo realizado de forma não presencial, com recursos audiovisuais.

Foto: reprodução | YouTube
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A jovem, que se encontra privada de liberdade por causa do tráfico, foi aliciada pelo companheiro. Marcada pela dependência emocional, sem autoestima e perspectiva de vida, pensava que para se libertar da vida a qual havia se aprisionado, só tinha uma solução: o suicídio. Emocionada, ela conta que, no fim, foi a prisão que a libertou emocionalmente para uma vida melhor.

Desta forma, podemos ver os frutos da atuação dos servidores do sistema penitenciário e dos diversos projetos executados. É claro que isso não significa que a reincidência vai acabar, mas cabe aos gestores e operadores cumprirem suas obrigações legais para proporcionar as condições de reintegração dos encarcerados, por meio de uma atuação multidisciplinar, com ações ligadas à educação formal e profissionalizante, a laborterapia, cultura, assistência religiosa e o convívio familiar, além das boas práticas psicossociais e de inteligência emocional.

Neste sentido, objetivando majorar o trabalho desenvolvido pela Secretaria da Administração Penitenciária, temos hoje diversas parcerias que vêm sendo firmadas entre órgãos governamentais e a sociedade civil, como o Programa Semear do Tribunal de Justiça, já citado, que integrou o Poder Judiciário a diversos órgãos do Poder Executivo e a sociedade civil, aqui capitaneada pelo Instituto Ação Pela Paz, todos atuando na implantação de novas ações e potencializando outras já existentes com a finalidade de diminuir a reincidência criminal.

Ademais, entendo que não só os encarcerados precisam passar pelo processo de mudanças. A sociedade civil também precisa mudar a maneira de enxergar o egresso. O caminho é longo e muito ainda precisa ser feito.

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