Olhar Mais de Perto

Carta aberta: dignidade e transformação

Por Andréa Campos
Andréa na frente da Universidade de Sorbonne, em Paris, em junho - Foto: aquivo pessoal
Andréa na frente da Universidade de Sorbonne, em Paris, em junho - Foto: aquivo pessoal

Meu nome é Andréa. Sou mãe, esposa, profissional… e, acima de tudo, sou uma mulher que valoriza os propósitos. Uma dessas pessoas que não consegue aceitar o mundo como ele é — e que escolhe, sempre que pode, semear novos caminhos.

Fui apresentada ao Programa SEMEAR pelo desembargador Dr. Luiz Antonio Cardoso e posso afirmar, desde já, que esse encontro não foi por acaso. Porque ele aconteceu no exato momento em que eu, por convicção, decidi olhar de frente para uma das maiores feridas da nossa sociedade: o sistema prisional.

Não falo apenas de estatísticas — embora elas, por si só, já clamem por mudanças. Falo de vivências. Estive em diferentes unidades prisionais. Vi superlotações. Soube de pessoas dormindo em banheiros em alguns lugares do Brasil. Vi filas longas, compostas quase que exclusivamente por mulheres — mães, na maioria, que lutam para estar perto dos seus. Vi o vazio de quem espera um jumbo (vocês sabem o que é isso, né?) que não chega. Vi pessoas que nunca receberam visitas e lembrei de uma frase de Jesus que me atravessou: “Estive preso, e não me visitastes.

Também conheci histórias que, talvez, num olhar precipitado, pareçam casos perdidos. Mas, na grande maioria, vi pessoas que erraram, sim, mas que suplicam por uma nova chance.

E se o crime oferece acolhimento, proteção e uma rota (ainda que perversa), o que nós estamos oferecendo em troca?

O sistema como está, muitas vezes, não socializa. Pode isolar. Puni. Em várias ocaisões pode esmagar. E, muitas outras, vinga.

Andréa junto a outros participantes do SEMEAR - Foto: Marcos Ferreira | Ação Pela Paz
Andréa junto a outros participantes do SEMEAR - Foto: Marcos Ferreira | Ação Pela Paz

E como esperar ressocialização de quem nunca foi sequer socializado?

Ah, importante: sou uma admiradora da Polícia. Tenho profundo respeito e gratidão por esses homens e mulheres que, sob enorme pressão, arriscam suas vidas todos os dias para proteger as nossas.

Reconheço e valorizo a importância da segurança pública e da atuação firme da Polícia no enfrentamento à criminalidade. Porém acredito, com a mesma convicção, que prevenção, repressão e ressocialização precisam caminhar juntas. Que a justiça se fortalece quando segurança e reintegração se completam.

É por isso que vejo no Programa SEMEAR um elo estratégico. Uma ponte. Um complemento.

O SEMEAR não enfraquece o trabalho da polícia. Ele o fortalece, pois colabora diretamente para quebrar o ciclo da reincidência criminal, que tanto sobrecarrega o sistema e gera insegurança social.

E os dados não mentem: 84,5% das pessoas que passam pelo SEMEAR não voltam ao sistema prisional*.

Ao lado do cofundador do Ação Pela Paz, Jayme Garfinkel, durante evento em Paris - Foto: divulgação
Ao lado do cofundador do Ação Pela Paz, Jayme Garfinkel, durante evento em Paris - Foto: divulgação

Esse número é uma mensagem. Uma resposta. Redução de reincidência. Redução de custos. Aumento da segurança pública.

Mas, acima de tudo, significa esperança com dignidade.

A cada pessoa acolhida, cada família reconstruída, cada ciclo rompido… estamos escrevendo um novo capítulo. Capítulo este que também está sendo fortalecido com iniciativas como o Ação Pela Paz, que articula sociedade civil, Judiciário, empresas e famílias para construir pontes — em vez de muros.

Tenho o privilégio de já ter conhecido e trabalhado em realidades profundamente contrastantes: desde favelas em São Paulo até aldeias na África e comunidades dalits na Índia — uma população conhecida como “os intocáveis”.

Em todas essas experiências, vi algo em comum: a dor pode ser território fértil. Mas só floresce se alguém tiver a coragem de semear.

O Programa SEMEAR é sólido e está florescendo. E o que está brotando é bonito demais para ser ignorado.

Não estamos falando só de recuperação de pessoas. Estamos falando da reconstrução de uma sociedade mais segura, mais justa, mais humana.

Porque, quando alguém se levanta, algo em todos nós se ergue também.

Programa SEMEAR

SEMEAR (Sistema Estadual de Métodos para Execução Penal e Adaptação Social do Recuperando) foi criado em 2014 por meio do provimento da Corregedoria Geral da Justiça do Tribunal de Justiça de São Paulo e tem como parceiros a Secretaria Estadual da Administração Penitenciária e o Instituto Ação pela Paz. O programa busca maior efetividade na recuperação dos presos, egressos e suas famílias.

* Índice de acordo com a aferição da reincidência criminal publicada em 2024 pelo SEMEAR e que avaliou 14.899 participantes de projetos em São Paulo entre 2015 e 2022.

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Observação: primeira foto real e tirada verifcalmente - estendida com uso de ferramentas de inteligência artificial pela equipe do Ação Pela Paz.

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