Olhar Mais de Perto
Do banco para as prisões!
Por Solange Rosalem Senese
Não compreendia porquê aquelas mulheres que chegavam felizes nas manhãs ensolaradas dos domingos, saíam apagadas, com o olhar distante, pegando no braço dos meus coleguinhas com a pressa de quem quer sumir daquele lugar. Tinha seis anos e essa lembrança emerge toda vez que passo em frente aos presídios em dia de visita familiar.
Tive a sorte de frequentar a Penitenciária do Estado de São Paulo, atual Penitenciária Feminina de Santana, na década de 1960, porque meu pai trabalhava ensinando a profissão de tipógrafo para pessoas que lá cumpriam suas penas. Vez por outra recebíamos mimos como canetas ornamentadas com plásticos coloridos, um tipo de artesanato que não vejo mais.
Economista e trabalhando em um grande banco, a vida insistia em me conectar com as muralhas do Carandiru, local que frequentava para atender clientes da agência que ficava em Santana, bairro de São Paulo (SP) onde ficava a penitenciária.
Ao final dos anos 90, prestei um concurso público para trabalhar na FUNAP (Fundação Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel), instituição pública criada para apoiar a recuperação das pessoas privadas de liberdade. Amava trabalhar no banco e, mesmo saindo para receber metade da remuneração, não tive dúvidas em iniciar a nova carreira, repleta de desafios, aprendizados e realizações.
Vivi intensamente o mundo da educação, trabalho, qualificação profissional de pessoas privadas de liberdade e, em 2010, conheci pessoas especiais que me proporcionaram nova oportunidade.
Hoje, 15 de junho de 2020, festejamos os cinco anos da fundação do Instituto Ação Pela Paz, que tem a missão de apoiar o Poder Público e a sociedade civil em iniciativas que impactem na redução da reincidência criminal. Organização que tenho orgulho de ter ajudado a fundar com o Jayme Garfinkel.
Atualmente, o Brasil possui a terceira maior população carcerária do mundo, com 726.700 pessoas privadas de liberdade[1]. Estima-se que a taxa de reincidência ao crime dos egressos seja em torno dos 70% [2]. Neste ponto está a razão de ser do Instituto Ação Pela Paz, para que a taxa de retorno às prisões diminua.
Por isso, desde 2015 atuamos em rede, investindo em projetos sociais, apoiando a construção de soluções, sistematizando e disseminando boas práticas em prol da redução da reincidência criminal no país. Desde a fundação até 2019, foram 106 projetos apoiados em seis estados brasileiros, com participação de 6.426 pessoas, entre privados de liberdade, egressos do sistema prisional, seus familiares e servidores públicos.
Compreender o sentimento daquelas mulheres na porta do presídio ainda é complicado para mim, mas a alegria de quem nasceu para servir nessa causa é a mesma daquela menina de seis anos que brincava animada e feliz com os filhos daqueles que conviviam atrás das grandes muralhas do Carandiru.
[1] Fonte: World Prison Brief, dados atualizados em 2016. Site: http://www.prisonstudies.org
[2] Fonte: Reincidência Criminal no Brasil. IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2015