Saúde mental

Em parceria com universidade, "Escuta Ativa" leva atendimento psicológico para reenducandas

Centro de Ressocialização Feminino de Rio Claro recebe a terceira edição do projeto
Foto: Getty Images
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Por Marcos Ferreira | Redação

Às vezes, tudo que precisamos é ser ouvido por alguém, sem julgamentos. Se comunicar, falar e ser escutado, se expressar de alguma maneira é vital para o ser humano. Externar sensações, histórias e dificuldades de uma vida, com a adequada orientação especializada, pode ser uma forma para aliviar e tratar conflitos.

Essa troca, uma ação recorrente em terapias com psicólogos – levando em conta toda a técnica e manuseio por parte dos profissionais –, é recomendado a todas as pessoas. 

De acordo com a Pesquisa Vigitel 2021 (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico), em média, 11,3% dos brasileiros relataram ter recebido um diagnóstico médico de depressão. Ainda segundo o estudo, a frequência foi maior entre as mulheres (14,7%) em comparação com os homens (7,3%). Os dados foram divulgados pelo Ministério da Saúde no último dia 7 de abril.

Os números evidenciam que cuidar da mente se mostra necessário em qualquer cenário, o que não é diferente em unidades prisionais. Foi pensando nisso que o “Escuta Ativa” ganhou vida em 2020, em meio ao pico da pandemia de Covid-19. 

Fruto de uma parceria entre o Centro de Ressocialização de Rio Claro e o campus de Limeira da Universidade Paulista (UNIP), o projeto conta com o apoio do Instituto Ação pela Paz por meio do Programa SEMEAR. A organização contribuiu com aquisição de materiais e auxílio técnico para a realização das atividades.

Idealizado pela professora Carolina Rossini, docente do curso de psicologia jurídica, a iniciativa visa propiciar diálogo interativo com as mulheres em cumprimento de pena, visando desenvolver maior consciência sobre o momento em que elas se encontram, ajudando-as a pensar em um projeto de vida para quando retornarem à sociedade.

Ao longo de oito semanas, estagiários da graduação em psicologia, orientados por uma supervisora responsável, realizaram encontros semanais com 17 participantes. As sessões foram feitas em grupos de até cinco beneficiárias junto a dois mentores.

Para Neuda Martins, à frente dos trabalhos no Ação Pela Paz, o resultado foi muito positivo, “tendo em vista que oportunizou às reeducandas participarem de conversas e orientações acerca da situação de privação de liberdade, bem como as questões do futuro, autoestima, acolhimento e escuta sobre as angústias e ansiedades”.

Dra. Gisele Briguenti em reunião com Dayane Bento e Neuda Martins (Ação Pela Paz) - Imagem: reprodução
Dra. Gisele Briguenti em reunião com Dayane Bento e Neuda Martins (Ação Pela Paz) - Imagem: reprodução

Ao contrário de 2020 e 2021, a edição deste ano foi inteiramente presencial e as conversas aconteceram sem a obrigação de um policial penal na sala, valorizando o caráter do formato. Disponibilizar um espaço acolhedor capaz de contribuir positivamente com a saúde mental das pessoas envolvidas foi uma das metas do projeto. O contato ao vivo ajudou nesse intuito.

Nos primeiros encontros foram utilizadas a técnica da escuta ativa aliada às intervenções através da psicoeducação, um método que relaciona os instrumentos psicológicos e pedagógicos. As reuniões foram voltadas para proposta de cuidados emocionais. “Algumas (recuperandas) começaram a falar sobre o crime e outras a contar sua história de vida que o crime faz parte, mas não é sua história”, lembra Carolina Rossini.

Na percepção da Dra. Gisele Briguenti, diretora do CRF de Rio Claro, as reeducandas ficaram mais tranquilas e motivadas para uma nova rodada de sessões. Para ela, o projeto “traz um olhar diferenciado e específico sobre a saúde mental”.

“Acredito que os atendimentos ampliam de forma gradativa a boa convivência e melhoram o dia a dia da unidade. É visível a mudança de comportamento das reeducandas atendidas, sendo de grande valia para vida pessoal de cada uma, pois contam com a possibilidade de falarem sobre si, seus medos, anseios, sonhos e perspectivas de um futuro melhor”, explica a diretora.

Dra. Gisele Briguenti reforça que o trabalho na unidade prisional busca sempre meios para que a ressocialização do apenado se viabilize no período de reclusão. “Com certeza é através de práticas como essas que enxergamos o começo dos resultados deste processo”, pontua.

Uma ação que beneficia dois lados

A professora Carolina Rossini destaca que, além de atender uma necessidade das mulheres que precisam desse suporte, o “Escuta Ativa” também tem um saldo positivo para os alunos que integram o projeto. A atuação de estagiários em dupla contribui para o desenvolvimento do trabalho em grupo e o apoio mútuo e troca de experiências.

O projeto deve seguir já nesse segundo semestre e para 2023 a expectativa é de contar com mais alunos dispostos a atuar na área prisional. Essa possível expansão contribui para a formação de novos profissionais e na ampliação dessa frente, importante para manter o bem-estar das pessoas privadas de liberdade e no atendimento da Lei de Execução Penal (LEP).

Sobre o SEMEAR

O Semear (Sistema Estadual de Métodos para Execução Penal e Adaptação do Recuperando) foi criado em 2014 por meio do provimento da Corregedoria Geral da Justiça do Tribunal de Justiça de São Paulo e tem como parceiros a Secretaria Estadual de Administração Penitenciária e o Instituto Ação pela Paz. O programa busca maior efetividade na recuperação dos presos e suas famílias.

O monitoramento anual dos participantes dos projetos proporcionados pelo SEMEAR tem sinalizado o valor dos projetos de natureza psicossocial. Dessa forma será verificado se os bons resultados intermediários apresentados durante o projeto “Escuta Ativa” também reverberam na redução dos índices de reincidência criminal das pessoas que dele participam.

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