Olhar Mais de Perto

Imergindo na realidade do outro

Por Lívia Gouvêa
Foto: divulgação
Foto: divulgação

Meu nome é Lívia Nunes Gouvêa, tenho 24 anos e sou bacharel em Direito. Cresci em um bairro mais simples da minha cidade, onde o crime era algo corriqueiro, sendo possível ver com facilidade pessoas sentadas em escadas usando drogas, vendendo drogas e portando armas. Portanto pude ver e conviver com a realidade de muitas famílias que estavam diretamente envolvidas com o mundo do crime. Nesses anos vi muitos dos meus amigos de infância seguirem esse caminho serem presos ou até mesmo perderem a vida.

Em contraponto, também cresci ouvindo sobre o sistema prisional, suas mazelas e tudo que engloba esse universo. Cheguei a cogitar as melhorias que devem ser feitas, as medidas que precisam ser adotadas por parte dos governantes, mas acabei por constatar que como parte de uma sociedade de direitos e deveres era também o meu dever contribuir para uma sociedade com menores índices de violência e criminalidade.

Foi no intuito não só de fazer diferente, mas de fazer a diferença que decidi não ficar à mercê de que alguém fizesse algo, mas por dar minha contribuição. Nesse processo que conheci a Associação de Proteção e Assistência aos Condenados – APAC e a Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados – FBAC.

Às vezes para entender o sistema prisional é preciso olhar um pouco mais de perto, é preciso olhar através do crime para enxergar a pessoa que se encontra por detrás. Para conhecer essas pessoas, nada melhor que se inserir no meio delas. Sendo assim, decidi imergir de forma voluntária na realidade das pessoas privadas de liberdade e viver como recuperanda a Jornada de Libertação com Cristo, um dos elementos do Método APAC promovida na APAC de Frutal/MG.

Ficar em uma unidade com cerca de 73 mulheres que estão privadas de sua liberdade, por terem um dia praticado um crime, a princípio parece assustador. No entanto, de antemão digo, passar cinco dias privada da minha liberdade, vivendo como recuperanda, foi a melhor decisão.

APAC de Frutal, MG - Foto: Cecília Pederzoli / TJMG
APAC de Frutal, MG - Foto: Cecília Pederzoli / TJMG

Ao chegar à APAC me deparei com olhares arredios, com questionamentos, com um pouco de desconfiança, mas não bastou um dia para sentir o acolhimento por parte delas. Ao decorrer das palestras e das reuniões de reflexão, percebi que de pouco a pouco elas conseguiam se abrir e compartilhar suas histórias comigo.

Embargadas por uma voz trêmula, na maioria das vezes, com o choro engasgado, compartilhavam suas infâncias, sua juventude e o que fizeram para chegar até ali. Me abrir para esse momento foi de suma importância, saber ouvir, conversar, foi essencial para entender um pouco de suas angústias, de seus medos, de sua culpa e fazer parte desse momento que pode ser transformador em suas vidas.

Por momentos pude viver apenas a essência daquelas mulheres, pude imergir no universo delas. Dormir em uma cela, fazer as refeições juntas, limpar a cela, banheiro e corredor, me trouxe mais para perto da rotina seguida dentro do Centro de Reintegração Social.

A primeira noite, como muitos dizem é sempre a pior, me recordo de não ter conseguido dormir, tentando absorver tudo que estava prestes a viver, olhando para cada ponto daquela cela trancada e pensando no que estaria fazendo lá fora se não estivesse ali, pensamento compartilhado por muitas ali. 

Entendo como uma experiência ímpar os dias em que pude viver privada de minha liberdade ao lado de pessoas que compartilharam suas histórias e que fizeram despertar em mim um olhar mais humano e empático.

A Jornada de Libertação com Cristo foi embalada por lágrimas, cânticos, alegria, saudade, perdão e confraternização. Foi provocado em cada uma delas o olhar para si e para as possibilidades de mudança.  A jornada realmente se faz um elemento importante no Método APAC, capaz de tocar a todos que participam, instigando momentos de muita reflexão, pois, afinal, somos todos recuperandos.

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