Novos caminhos
Meses após capacitação, pessoas egressas seguem trabalhando como empreendedores
Participantes dos projetos "Empreendedor de Responsa" e "Receitas Para Vida" reúnem novos conhecimentos e dedicação para seguirem com os próprios negócios
Ao longo dos últimos anos, o termo empreendedorismo passou a ser bastante utilizado em diversas situações. O ato de empreender, que é colocar algo em execução, se tornou uma alternativa para quem busca uma forma diferente de geração de renda. Muitas pessoas embarcam em um negócio próprio por opção, mas outras tantas recorrem a esse caminho por falta de uma oportunidade no mercado de trabalho formal.
Todos nós conhecemos diversos casos de superação, mas se dedicar a um voo independente requer muito mais que boa vontade ou mesmo uma grande ideia. São necessários recursos técnicos, conhecimentos específicos e, na maioria das vezes, investimento financeiro.
O empreendedorismo se tornou uma realidade para muitas pessoas egressas do sistema prisional. As histórias que cruzamos diariamente mostram relatos de quem passa pela dificuldade da ressocialização, na maioria das vezes esbarrando no preconceito das empresas ou a baixa escolaridade para assumir alguns cargos, e optam por buscar o sustento abrindo um meio de trabalho por conta. Essa carência de espaço não sobrepõe o foco em se tornar também um case de sucesso e um empregador.
No início de 2021, o projeto “Empreendedor de Responsa”, ministrado pela Agência Besouro em parceria com o Instituto Responsa e apoio do Ação Pela Paz, capacitou 16 pessoas que haviam deixado o sistema prisional. O curso de 11 módulos teve duração de seis dias, embarcando o aluno em uma jornada para a abertura do próprio negócio com pouco ou zero custo. Para isso, o treinamento centrou esforços no que cada integrante da turma já demonstrava aptidão, como culinária, estética, entre outros talentos.
O treinamento possibilitou aos participantes saírem das aulas com um plano de negócios em andamento para dar o pontapé inicial em um empreendimento. Os beneficiários também tiveram o direito a uma mentoria de três meses, no qual foram acompanhados por especialistas nos primeiros passos.
Seis meses após o fim das atividades, do total de 16 participantes que concluíram o ciclo de aprendizagem, nove estão empreendendo, sendo que quatro deles foram contemplados com um apoio financeiro para fortalecer os negócios na fase de implementação. Um desses exemplos é Silnana Medina, que, ao lado da esposa, abriu um salão de beleza para profissionalizar a sua atividade comercial.
Antes do curso, ela cortava o cabelo dos clientes em praças públicas. Hoje, com um pequeno comércio, localizado no bairro Liberdade, na região central de São Paulo, a dupla consegue atuar no ramo de barbearia e estética feminina.
As atividades realizadas em um espaço modesto já são sua principal fonte de renda. Mesmo com os desafios derivados da pandemia de Covid-19, junto ao fechamento do comércio durante vários meses, o estabelecimento se manteve, aproveitando a abertura da economia.
Silnana está empenhada em crescer e se estabilizar como microempresária. Nesse processo, o curso teve papel vital para ela entender os trâmites burocráticos de gerenciar uma sociedade da forma correta. “Eu não sabia como administrar em termos de contabilidade, receber, pagar, comprar os itens. Ao somar, eu não entendia quanto eu teria de lucro. Achava que eu estava ganhando, mas muitas vezes saía no prejuízo”, explica a cabeleira.
Números parecidos acompanham o time que participou do “Receitas Para Vida”, uma inciativa da ONG Mensageiros da Esperança, alicerçada com o auxílio do Instituto Ação Pela Paz. O projeto, concluído em maio deste ano, capacitou 16 pessoas egressas e familiares no ramo da gastronomia. O cronograma de atividades reunia aulas de culinária e empreendedorismo, além do apoio psicológico.
Atualmente, segundo levantamento preliminar, ao menos seis pessoas que viveram essa imersão seguem investindo no próprio negócio. Cinco delas obtiveram, após avaliações de performances ao decorrer do programa, uma assistência financeira. O dinheiro foi destinado como capital para iniciar a execução das ideias desenvolvidas ao longo da qualificação.
Alguns elementos indispensáveis para qualquer empreendedor, Silnana tem de sobra. A inquietação, o desejo de aprender e levar inovação ao seu público são bons pontos do seu perfil. Com formação em estética de cabelos, ela busca se atualizar depois de nove anos fora do mercado, período em que esteve privada de liberdade.
“A luta não para”, ela lembra. Além dos problemas comuns vividos por causa da crise sanitária, o casal junta elementos para se impor em um modelo de serviço competitivo. A análise do seu próprio mercado é apurada, ao perceber a mudança de comportamento da clientela.
“Os homens estão muito vaidosos hoje. Estou correndo atrás para fazer o aperfeiçoamento em designer e química para cabelos, para não ficar para trás dos meus concorrentes. Como a gente é nova, tem poucos clientes, não podemos desistir. Eu sigo na luta, atrás de mais conhecimento. Nessa área de estética você acumula a fidelidade de anos, mas aos poucos eu vou mostrando o meu trabalho”, conclui Silnana, consciente do seu potencial.