Olhar Mais de Perto
O jogo de ressocializar e reconstruir
Por Leonardo Precioso
Eu cresci com o sonho de ser jogador de futebol. Atuei nas categorias de base de grandes clubes como Corinthians, Palmeiras, São Caetano, entre outros, até minha chegada ao profissional. Mas o futebol, em um país como o Brasil, é superconcorrido e nem sempre as gestões dos clubes são responsáveis e transparentes. Essas atitudes me levaram a abandonar o sonho de transformar a trajetória da minha família através da nossa paixão nacional.
Voltei para o meu bairro de origem em 2005, local onde fui criado, na zona leste de São Paulo. Período de instabilidade social da minha vida e da família. No passar dos dias tudo foi ficando ainda mais difícil, contas atrasadas de água e luz (no gato). Escassez total.
Como o meu conhecimento profissional era baseado na rotina de atleta do futebol, eu fui atuar em times informais da várzea de São Paulo e comecei a receber incentivo financeiro para isso. Uns desses incentivos foi pago em quantidade de droga (cocaína), que eu comercializei e me rendeu valores maiores do que os incentivos em grana.
Eu percebi que seria uma grande oportunidade de fazer dinheiro e sanar as dívidas acumuladas ao longo do tempo e assim eu fiz. Deixei de jogar por incentivo e passei a fazer negócio com drogas. Quando você entra no mundo da criminalidade passa a viver e se envolver em várias paradas. O crime tem braços largos e um grau alto de persuasão.
Com os envolvimentos, acabei entrando de cabeça nesse mundo e em 2008 fui preso por sequestro em São Paulo.
Nos primeiros dois dias em poder da antissequestro, eu fui torturado, espancado, amordaçado, entre outras coisas. Após ficar quase uma semana entre a (delegacia) antissequestro e o DEIC (Departamento Estadual de Investigações Criminais), fui conduzido para o CDP do Belém 2 (Centro de Detenção Provisória).
Aí começa a minha trajetória dentro do cárcere. Foram 7 anos e 13 dias vivendo dentro dessa sociedade oculta, algumas tentativas de fugas, transferências de unidades, envolvimento e participação ativa em prol ao crime organizando, tempo em que vi e vivi muitas caminhadas. Nesse mesmo período, a minha filha Sophia nasceu. Me lembro como se fosse hoje a notícia chegando na cela 20 do pavilhão A da unidade de Parelheiros.
Na mesma época, o meu amigo Edu Lyra entrou em contato com minha família para saber como estava a minha situação. Eu e o Edu fomos criados com apoio de projetos sociais na quebrada. O futebol faz as pessoas se conhecerem.
Iniciamos várias trocas de cartas. Ele também me enviava livros para eu interagir com o trabalho de impacto social que estava acontecendo no mundão. Sempre me provocando sobre o que eu faria com a minha liberdade, respondia que ainda era algo nebuloso devido a vida que eu vivia naquele momento. “Mas uma hora vamos falar sobre esse assunto”, eu dizia.
Os anos se passaram e em 2014 eu saí beneficiado pelo Dia das Mães. Tive então a oportunidade de reencontrar a família, amigos e conhecer a pequena Sophia, minha filha. Isso foi sensacional! Senti um senso de responsabilidade tremendo dentro de mim. Sabia que eu teria que assumir e liderar o caminho que ela vai percorrer ao longo da vida e além de tudo com bons exemplos e muito trabalho.
Em abril de 2015 ganho minha liberdade. Faltavam 11 meses para vencer a sentença de oito anos. Com dois dias, o Edu Lyra e o Lê, maestro e cofundador da rede Gerando Falcões, me procuraram e fizeram uma proposta de trabalho. Dessa vez para monitorar as oficinas de esporte do organização.
Aceitei o desafio e mergulhei nas atividades. Fundamos o pilar de geração de oportunidades para egressos do sistema prisional. Após um ano eu fui nomeado a primeira pessoa que foi privada de liberdade a receber o prêmio Jovem Brasileiro na categoria social – na sua 15° edição – pelo reconhecimento dos trabalhos prestados à sociedade.
A ideia foi criando musculatura institucional e crescemos.
No final de 2017, eu tive a imensa satisfação de conhecer a Solange Senese, do Instituto Ação Pela Paz, que viu o potencial que tínhamos para lidar com o tema de egressos do sistema carcerário.
Em 2018, fomos incentivados e potencializamos o nosso quadro de prestadores de serviços, dando origem de fato ao Instituto Recomeçar.
Nosso objetivo sempre foi ser um canal quente para a pessoa egressa, no qual ele pode se dedicar e confiar que vamos juntos trabalhar para gerar impacto social.
De 2018 até o presado momento, em outubro de 2022, o Recomeçar vem dando passos largos em relação ao tema exposto. O Instituto Ação Pela Paz é o nosso principal parceiro na luta de reinserção social de quem passou pelas unidades prisionais.
Contempla também essas parcerias a Fundação Beneficente Elijass Gliksmanis, BrazilFoundation e, claro, a Gerando Falcões. Temos um conselho composto por oito pessoas super qualificadas para exercer a função. Tudo é um trabalho realizado em conjunto.
Possuímos estrutura corporativa para atuar com esse tema. Somos o S do ESG das grandes companhias e isso vem se multiplicando e crescendo o interesse das empresas para conhecer mais sobre a esteira de impacto social criada no Recomeçar.
Nesse último ano, abrimos dois negócios de impacto social, a Opportunità Pizzaria Social e o Bazar Recomeçar. Com os negócios em prática, estamos buscando capacitar, gerar oportunidades e sustentabilidade para instituição.
Estamos potencializando o Recomeçar no digital, o que vai nos ajudar a escalar o Brasil e fazer chegar o nosso serviço para milhares de egressos que carecem de apoio moral e social.
Hoje eu posso ajudar homens e mulheres a colocarem as suas armas no chão e voltarem para dignidade.
Veja uma matéria do programa Brasil Urgente, exibida em 17 de abril de 2021, contanto um pouco da história de Leonardo Precioso: