Ação pela Paz - O perigo da história única

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O perigo da história única

Por Carolina Passos Branquinho Maracajá
Dra. Carolina Maracajá - Foto: Equipe de Comunicação - CRSC
Dra. Carolina Maracajá - Foto: Equipe de Comunicação - CRSC

Há 13 anos, quando iniciei minha caminhada na Secretaria da Administração Penitenciária, mais especificamente no Centro de Ressocialização Feminino de Rio Claro, eu não sabia ao certo o que o este universo, me apresentaria. Trazia comigo apenas a teoria da faculdade de Direito, além dos exemplos e escutas dos meus pais – um promotor de justiça e uma advogada.

Foi neste espaço que me lancei profissionalmente, aprendendo sobre cada setor, sobre cada trabalho. Ali conheci também histórias de vida de diferentes mulheres encarceradas, de onde vinham e porque foram parar naquele lugar. Ouvi por diversas vezes como a maioria delas tiveram de se separar de seus filhos e demais amores. Ali pude entender que não podemos restringir pessoas a histórias únicas. 

Elas possuíam histórias tão impactantes, tão singulares e valorosas nas suas formações como seres humanos e, principalmente, como mulheres, que as reduzir apenas a "mais uma reeducanda" seria desprezar todas as suas experiências. Seria negligenciar todos os potenciais que as formaram e no que poderiam se transformar.

Um dos grandes desafios nessa missão de reintegrar pessoas oriundas do sistema prisional à sociedade é tornar eficaz a singularidade da pena, buscar formas e caminhos singulares para proporcionar novas perspectivas e novas histórias.

Nos fixarmos apenas em uma única história, ou mesmo em uma pequena parte de toda uma história de vida dessas pessoas, inevitavelmente cria estereótipos, são incompletos, impede de observarmos esse ser humano em sua amplitude. E para quem está privado de sua liberdade, uma história única pode se tornar uma pena perpétua.

Foto: Ação Pela Paz
Foto: Ação Pela Paz

Na Coordenadoria de Reintegração Social e Cidadania iniciei no Programa de Atenção ao Egresso e Família, assumi o desafio de criar metodologias e ferramentas institucionais para realizarmos políticas públicas transformadoras para que, ao deixar o cárcere, a pessoa egressa pudesse buscar reconstruir a sua vida minimizando o estigma do cárcere.

O norte para a construção dessas políticas foi sempre a diferença entre a natureza e a finalidade da pena. A primeira, consiste apenas na execução da sanção da pena. A segunda pode ser definida como o objetivo que o Estado tem a cumprir por meio da atuação penal.

A Lei de Execução Penal possui uma dupla finalidade: efetivar o que foi disposto na sentença e, principalmente, estabelecer diretrizes para o cumprimento digno e de forma humanizada da pena imposta, possibilitando que, quando egresso, o retorno ao convívio social se dê harmonicamente e com menor potencial de conflito com a lei.

O conceito de ressocialização pressupõe que a função do estabelecimento penal é alterar o comportamento da pessoa privada de liberdade, para que este seja aceito pela sociedade. 

Por sua vez o termo reintegração remete a preparação do indivíduo para sua retomada da vida em liberdade, além da preparação da própria sociedade para receber esse egresso do sistema prisional.

O ilustre Professor Alessandro Baratta, aponta em seu artigo "Ressocialização ou Controle Social”, que "a ressocialização pressupõe uma postura passiva do detento e ativa das instituições: são heranças anacrônicas da velha criminologia positiva que tinha o condenado como um indivíduo anormal e inferior que precisava ser (re)adequado à sociedade, considerando acriticamente esta como “boa” e aquela como “má”."

Por outro lado, a reintegração social pressupõe a comunicação entre o preso e a sociedade, ocasionando não somente a transformação do preso, mas também a transformação da sociedade, para que esta reconheça como seus os problemas do cárcere.

Fachada de unidade prisional paulista - Foto: SAP
Fachada de unidade prisional paulista - Foto: SAP

Em suma, o termo reintegração social constitui essa “via de mão dupla”, trata-se da abertura de um processo de comunicação a partir do qual os privados de liberdade possam se reconhecer na sociedade e esta possa se reconhecer na prisão.

Neste processo ambos têm sua parcela de responsabilidade por esta aproximação e inclusão, diminuindo a distância existente entre eles com a finalidade de proporcionar uma vida pós-prisão, um resgate ou a transformação de uma nova história.

Essa é a verdadeira humanização da pena.

E assim como as termologias mudam e se alteram, as histórias não podem ser únicas para que possam ser transformadas.

E essa é a minha missão e meu propósito, pois você nunca saberá quantas vidas transformou, mas elas saberão.

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