Música

"O Som da Liberdade" toca e ressocializa no CR de Sumaré

Projeto deve atender mais de 50 reeducandos
Reeducandos no projeto "O Som da Liberdade" - Foto: divulgação
Reeducandos no projeto "O Som da Liberdade" - Foto: divulgação

Por Marcos Ferreira | Redação

Antigamente, quando o filósofo Platão andava por essas terras, os jovens eram educados por meio das epopeias homéricas, as famosas histórias do poeta grego Homero. Com a escuta diária, os garotos extraíam delas noções de honra, bondade nobreza, beleza e parâmetros de conduta. A arte tinha uma função importante no plano afetivo, cognitivo e comportamental, tendo um papel social e educacional.

“Mas que educação lhe proporcionaremos? Será possível encontrar uma melhor do que aquela que foi descoberta ao longo dos tempos? Ora, para o corpo temos a ginástica e para a alma, a música.”, indagava e respondia Platão.

Essa introdução mostra como a arte de maneira geral, mas especialmente a música, possui uma série de pontos positivos para quem a usufrui. Uma prova disso é “O Som da Liberdade”, projeto realizado no Centro de Ressocialização de Sumaré, no interior de São Paulo, que tem o Dr. Dalber Possato como Diretor Geral.

A iniciativa nasce no âmbito do SEMEAR (Sistema Estadual de Métodos para Execução Penal e Adaptação Social do Recuperando). Criado em 2014 pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, o programa atua no Estado de São Paulo e tem como integrantes, a Secretaria Estadual de Administração Penitenciária e o Instituto Ação Pela Paz que apoiam projetos voltados para pessoas privadas de liberdade e egressas do sistema prisional.

Desde dezembro de 2020, duas turmas de 10 pessoas privadas de liberdade do regime semiaberto começaram a ter contato teórico e prático com bateria, baixo, percussão e violão. Os instrumentos e materiais didáticos, além dos demais itens de suporte às aulas foram fornecidos pelo Ação Pela Paz.

E para colocar isso em ação, os proponentes do projeto não precisaram ir muito longe. Na própria unidade prisional, a equipe do CR destacou um reeducando para ministrar as aulas iniciais. O escolhido trouxe na bagagem a experiência de mais de duas décadas com a música, tempo que se dedicou a ensinar outras pessoas a tocar diversos instrumentos.

Unindo ainda habilidades como terapeuta ocupacional, coube a ele a tarefa de preparar as atividades da primeira turma do projeto. Com o propósito claro de exigir disciplina, aplicação e foco, as aulas também se tornaram uma maneira de conectar os participantes com habilidades e sentimentos guardados durante o período de recolhimento. Após isso, outros reeducandos com conhecimentos musicais também assumiram o papel de multiplicadores.

“Alguns vão pela curiosidade, mas a maioria procura o curso por conta do desejo de aprender a tocar, entender as notas, ler partituras”, destaca Neuda Martins, responsável regional do Instituto Ação Pela Paz.

Ela ainda lembra como “O Som da Liberdade” impacta na rotina dos beneficiados. Para Neuda, é notável como as aulas estão ajudando no relacionamento entre os internos. “Eles buscam uns aos outros para trocar experiências e dividir novos conhecimentos, além de se encontrarem para tocar juntos”, lembra a coordenadora.

Foto: divulgação
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Para Rui Fernando Oliveira, à frente do Setor de Trabalho e Educação no CR de Sumaré e líder do projeto, as ações representam aos participantes o despertar de um novo conhecimento e saber. “Os que nunca tiveram contato com um instrumento ficaram entusiasmados quando produziram suas primeiras notas, suas melodias. A meu ver, é um grande aporte para a autoestima, algo tão raro na condição daquele que cumpre uma pena e carrega o peso de sua falta perante a sociedade”, diz Rui.

A rotina daqueles que não frequentam os cursos também sofreu alteração. “É notória a mudança. Hoje há uma pausa, um silêncio dos demais reeducandos em respeito aos alunos de música que precisam do recolhimento para concentração e sucesso no aprendizado. Antes se ouvia gritos, vozerio, algazarra, agora temos um silêncio respeitoso, que, de uma maneira geral alterou o cenário típico de uma unidade prisional”, conta o líder.

Ao todo, “O Som da Liberdade” deve atender ao menos 52 reeducandos divididos em cinco turmas, sendo cada uma delas com jornada semanal de quatro horas ou mais de aprendizado. Visando atrair o máximo de alunos possível entre os mais de 200 internos, o pré-requisito básico é aptidão musical e a vontade de aprender com seriedade.

Provando que a socialização é um pilar importante gerado pela música, os reeducandos se tornaram, de forma espontânea, os tutores dos instrumentos e demais materiais vinculados ao curso. Por uma reivindicação dos alunos, foram adquiridos novos cases e capas para proteger os equipamentos, além de suportes para alocar alguns deles nas paredes.

“Fiquei surpreso com o cuidado imenso que os reeducandos têm pelos instrumentos. Não temos nenhuma notícia de quebra ou dano dos aparelhos musicais. Até mesmo as cordas dos violões não se rompem com frequência. Alguns instrumentos ainda têm as etiquetas de quando foram entregues, dado o trato e carinho que os alunos cuidam de tudo que lhes confiado à guarda”, ressalta Rui, que acompanha o dia a dia das pessoas privadas de liberdade e ainda coleciona gratas surpresas.

“Confesso que também não tinha presenciado uma aula de música num ambiente penitenciário, e olha que já estou indo para 17 anos no sistema prisional!”, lembra o líder de Sumaré.

Nesses tempos de pandemia, a iniciativa ainda conseguiu unir as pessoas privadas de liberdade com familiares. À distância, alguns parentes providenciaram equipagem extra como pastas para catalogar cifras, letras, tablaturas e partituras para auxiliar os estudantes a ser organizarem ainda melhor com os diversos conteúdos recebidos a cada aula.

Rui Oliveira acredita que a música é um instrumento importantíssimo na ressocialização. “Vejo que os alunos têm orgulho em aprender algo novo e como gostam de mostrar isso aos seus familiares. Leio as cartas, acompanho as visitas virtuais, e, sempre está lá o relato contente de que está aprendendo música e que vai mostrar ao vivo para os seus. Projetos como esse são ferramentas de precioso valor para a ressocialização e progresso do ser humano apenado”, reforça.

As cartas citadas por Rui mostram um pouco do impacto positivo que a ação tem na vida dos participantes. “O projeto me apresentou o que eu já tinha esquecido. Meus sonhos, meus objetivos, a vontade de novamente fazer parte de uma sociedade”, diz o trecho de uma das inúmeras mensagens. “A música e “O Som da Liberdade” me ajudaram a ver mais uma vez o lado bom da vida”, conclui um reeducando.

Outros projetos musicais para recuperação dos reeducandos

Com base nos princípios do SEMEAR, “O Som da Liberdade” não é o único projeto apoiado pelo Instituto Ação Pela Paz que trabalha com ritmo e melodia na busca pela ressocialização de pessoas em cárcere.

“Música e Violão” e “Vozes e Violão”, realizados nas Penitenciária II e III de Hortolândia, respectivamente, levam ensinamentos para um total de 60 reeducandos. Na Penitenciária de Capela do Alto, 32 pessoas participam do “Música Para a Alma”.

Além das atividades em andamento, diversas ações em pré-execução, previstas para serem realizadas dentro e fora de São Paulo, devem atender ao menos mais sete unidades prisionais até o fim deste ano.

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