Ação pela Paz - Histrias e encontros

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Histórias e encontros…

Por Claudia Cardenette
Foto: divulgao
Foto: divulgação

Meu trabalho conta muitas histórias de vida que me inspiram, desalojam e me movem. Atuo no Instituto Ação Pela Paz que investe em iniciativas para redução da reincidência criminal por meio da (re)inclusão social de pessoas privadas de liberdade e egressas prisionais. Sou grata por estar nesse lugar de tantos desafios, aprendizados e experiências humanas.

Durante essa jornada de quase nove anos atuando junto ao tema de (re)integração social de pessoas privadas de liberdade e egressas prisionais, conheci algumas histórias que, para mim, são exemplos de superação.

Gostaria de compartilhar nesse texto alguns relatos que fui colhendo de pessoas que foram condenadas, cumpriram suas penas e retornam à sociedade levando histórias que marcaram vidas e são difíceis de esquecer pelo sofrimento e aprendizados vividos. Eu e você também temos nossas histórias, difíceis de esquecer, que podem deixar cicatrizes quase imperceptíveis ou, em casos mais intensos, uma ferida que precisa ser cuidada. Isso nos tornam iguais, humanos, providos de sentimentos e livre arbítrio para fazer escolhas.

Conheci pessoas privadas de liberdade que se preparavam para retornarem ao “mundão”, palavra muito utilizada pelas pessoas condenadas que quer dizer do lado de fora da prisão. Ao ganharem a liberdade e retornarem ao “mundão”, os desafios são muitos e alguns surgem do desconhecido.

Buscar moradia, dar baixa na captura, recuperar as documentações, conseguir um trabalho, ajudar na renda familiar, rever os amigos que continuam no crime e resistir, mesmo com dificuldades financeiras. É dever voltar ao Fórum Criminal ou órgão responsável periodicamente para comprovar que está na região até findar o tempo de pena por completo. Há algumas pessoas que são condenadas a pagar a pena de multa e, apenas após pagamento, é possível restituir os direitos civis e políticos, o título de eleitor, mas como quitar essa dívida sem um trabalho? E sem a possibilidade de ter o título de eleitor, aumenta-se a dificuldade de conseguir um trabalho, uma incongruência. Diante de todo esse contexto, driblar a necessidade de fazer um “corre”, palavra que significa realizar um crime, é recorrente. Sustentar o desejo de mudar a vida e não retornar ao mundo do crime é o grande desafio da liberdade para a pessoa egressa. Há de se gerar resiliência.

Além de todo esse contexto, há algo moral que as pessoas egressas sentem que é a discriminação. Poucas pessoas que conheci superaram suas histórias no crime, assumem abertamente ter pago suas dívidas, parecem ter vencido o preconceito e acabam gerando o desejo de ajudar outras pessoas egressas.

Foto: divulgao
Foto: divulgação

O que muitas pessoas egressas mais desejam, com urgência, é trabalho, mas recebem vários “nãos”, até chegarem ao “sim”. Quando conseguem um trabalho, comentam que se sentem dignos e inclusos na sociedade novamente. As pessoas com perfil empreendedor são minoria, mas acabam inspirando e ajudando muitas outras. Narrativas que já presenciei de pessoas que superaram a sua história no crime e que estão trabalhando contam que quem quer trabalhar e sair do mundo do crime não pode ficar em cima do muro, ou volta para a criminalidade ou decide pelo trabalho lícito e começa pela primeira oportunidade e faz jus a ela. É necessário entender que ganhar um salário é o início do caminho para seguir em frente. Há que se ter foco e determinação. Viver no crime é tenso e estressante.

Nas histórias que conheci, o amor por entes queridos e desejo de não os decepcionar, é o principal sentimento que motiva as pessoas egressas a gerar forças para se superarem perante as adversidades da vida. Essa fala é recorrente, mudar por amor aos entes queridos.

Há histórias de mudanças de vidas devido a um elo, uma ligação fraterna de confiança. Alguém que acreditou na decisão da pessoa egressa, esteve junto, apoiando e notando o seu potencial. Ao notar o potencial e compartilhá-lo, a pessoa consegue desvelar essa capacidade em si, pelos olhos daquele que confia, tem afeto e respeito.
Neste sentido, os grupos de acolhimento, sejam ONGs de apoio ao egresso, voluntários, os amigos da igreja ou parentes, são importantes, reconhecem o outro sem preconceito, incluem as pessoas em seus grupos e os amparam com afeto.

Essas e tantas outras trajetórias encontraram com a minha ao longo do tempo. Elas me mudaram e continuam me movendo. No começo desse ano, devido a tantas histórias que me sensibilizavam, finalizei a graduação de psicologia e, com certeza, parte dessa minha jornada foi inspirada e motivada por essas histórias, as quais sou muito grata pela oportunidade do encontro gerado por meio do trabalho no Ação Pela Paz, voluntariado e vida acadêmica.

Conhecer pessoas com histórias diferentes da sua, de forma genuína e com respeito, pode ser transformador para gente, para o outro, num processo contínuo de mudar a forma de ver o mundo.

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