Arte

Penitenciária registra melhorias no convívio de reeducandos com projeto de música

Unidade prisional de Taquarituba teve um aumento de 70% no interesse com estudos após a realização do "Orquestrando Vidas"
Foto: Sigmund / Unsplash
Foto: Sigmund / Unsplash

Por Marcos Ferreira | Redação

Quando a ginasta Rebeca Andrade entrou na arena para defender o Brasil nos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2021, o que mais chamou a atenção do público foi a sequência de notas que serviram de trilha para a apresentação.

Quem estava conferindo a performance pela TV ou internet foi tomado pela mesma sensação dos presentes no local. O funk “Baile de Favela” em um arranjo orquestrado encantou tanto os que conhecem a música quanto os que nunca a tinham escutado. Gostar ou não da faixa ou do gênero, por alguns instantes, pouco importava.

O desempenho da atleta, em equilíbrio com a canção em nova roupagem, rendeu o posto mais alto do pódio e um envolvimento emocional grande entre os espectadores, estreitando laços populares com a cultura erudita.

Essa sinergia com a música pode ser aproveitada por todo ser humano – e não somente em versões de arranjos clássicos. Gerar impacto positivo para quem está em privação de liberdade é uma das tantas façanhas da arte. O projeto “Orquestrando Vidas”, realizado na Penitenciária de Taquarituba, no interior paulista, reuni elementos que visam fomentar a capacitação emocional e profissional dos reeducandos do regime fechado por meio da combinação de ritmo, harmonia e melodia.

Para isso, o programa, que já teve duas turmas e atendeu mais de 60 recuperandos, viabiliza o ensino de instrumentos musicais, dando condições de recuperação psicológica e de preparação para a reinserção social dos beneficiários.

Assista a seguir o vídeo da performance da ginasta brasileira Rebeca Andrade:

As aulas teóricas trazem os conceitos fundamentais que possibilitam a leitura e execução de partituras de músicas clássicas ou populares, além do aprendizado prático. Com o apoio do Instituto Ação Pela Paz, por meio do SEMEAR*, a unidade prisional adquiriu instrumentos e demais equipamentos para a realização do curso. A organização também contribui com as análises técnicas e monitoramento das atividades.

Em pouco tempo, os alunos começaram a dominar o manuseio de violinos e violas de arco, fruto de uma dose grande de disciplina – vital para o ensino musical –, possibilitando a criação de um conjunto orquestral. Com vários ensaios, o grupo passou a realizar apresentações dentro do estabelecimento penal em dias festivos e de visitas.

Com um modelo pensado para ser replicado, voluntários da sociedade civil deram o pontapé inicial das aulas, que formaram novos músicos com habilidades para multiplicar o conhecimento a novas turmas.

A seleção dos partipantes, realizada a partir de entrevistas, buscou encontrar pessoas interessadas e com aptidão para o formato do projeto, que contou com uma carga horária de 64 horas, divididas em dois encontros semanais de duas horas cada. Além desse período, os estudantes cumprem uma carga horária extraclasse de mais 20 horas, com exercícios e atividades de aprimoramento.

Foto: divulgação
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Resultados que soam como música

Ambiente acolhedor e a melhoria no convívio são alguns dos indicadores avaliados pela iniciativa. Outro fator importante levantado no monitoramento – realizado durante e após a aplicação do curso – é o fortalecimento e vínculos familiares. Para 70% dos participantes, o “Orquestrando” ajudou a melhorar a sensação de bem-estar, o que é benéfico para todas as relações de forma geral e o prepara para o melhor convívio em regime fechado ou aberto.

Para Joaquim Macedo Dias, Diretor do Centro de Trabalho e Educação, responsável pela iniciativa na unidade, “o projeto impacta no interesse e na vontade de aprender dos alunos, na esperança de transformação e valorização pessoal”. Ainda de acordo como diretor, é notável a “melhora da disciplina, responsabilidade, cooperação e harmonia entre os participantes, que passaram a se ajudar mutuamente nas tarefas e aulas propostas”.

A abrangência das aulas na vida dos alunos e das pessoas ao redor é revelado nos “relatos de felicidade expressados pelos familiares ao saberem da participação dos reeducandos no projeto”, conta Joaquim. Ele ainda enxerga resultados animadores com “os depoimentos de sentimento de sucesso a cada nota aprendida pelos internos”, o que mostra a dimensão do programa em sua ótica.

A explicação para isso é tema discutido por várias áreas do conhecimento. De acordo com Molly Warren, mestre em Musicoterapia pela Universidade do Colorado, nos Estados Unidos, a música é uma grande aliada durante as etapas de recuperação de traumas e luto, além de servir como calmante e agente regulador de emoções.

Um estudo publicado em março pela revista JAMA Network Open mostra que o efeito positivo de cantar, tocar ou ouvir música traz o mesmo benefício que, por exemplo, investir em exercícios de perda de peso. O trabalho é baseado em uma meta-análise que abrange 26 estudos anteriores e um total de 779 pessoas.

Para Neuda Martins, responsável pela articulação do projeto no Ação Pela Paz, o principal papel do “Orquestrando Vidas” é “oportunizar pessoas que antes nunca tiveram acesso a instrumentos musicais, como o violino e a viola de arco, a aprenderem tocar de forma igualitária, despertando assim novas habilidades, capacidade de memorização e de voltar a sonhar”.

Reeducando recebendo seu certificado das mãos de José Veiga Filho - Foto: divulgação
Reeducando recebendo seu certificado das mãos de José Veiga Filho - Foto: divulgação

Nada é feito sozinho

“Todo o resultado é fruto do esforço mútuo, entre os diretores e demais funcionários da unidade, os quais acreditaram no projeto, cooperando na estrutura e suporte, proporcionando sempre condições para o desenvolvimento do curso”, diz Joaquim Macedo, que faz diversos reconhecimentos, mostrando a notável necessidade da cooperação dentro e fora da sala de aula.

“Agradeço ao senhor José Veiga filho, que está à frente dos trabalhos na unidade, e que estendo em seu nome, os agradecimentos a todos os servidores do CTE, e ao Diretor Geral Carlos Eduardo Duarte Ferreira pelo total apoio ao projeto”. Ele também ressalta a participação em diversas aulas do voluntário Adauto de Araújo Filho, além do servidor Nilton Cesar de Almeida. Em sua visão, pessoas detentoras de altruísmo, caráter humanitário e que “com grande conhecimento musical, colaboram de forma muito elevada no ensino dos alunos”, finaliza.

Sobre o SEMEAR

O Semear (Sistema Estadual de Métodos para Execução Penal e Adaptação do Recuperando) foi criado em 2014 por meio do provimento da Corregedoria Geral da Justiça do Tribunal de Justiça de São Paulo e tem como parceiros a Secretaria da Administração Penitenciária e o Instituto Ação pela Paz. O programa busca maior efetividade na recuperação dos presos e suas famílias.

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