Dependência química
Projetos em Jaú levam atendimento psicológico e profissionalizante para reeducandos e egressos
"Supera - Escuta Ativa" e "Egresso Apoiando Egresso" focam no tratamento à dependência química e na reinserção social de quem passa pelo Centro de Ressocialização da cidade
Ao longo da pandemia de Covid-19, o Brasil registrou um aumento do consumo de drogas e álcool. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 6% da população brasileira possui alguma dependência química. Esse percentual equivale a aproximadamente 12,4 milhões de pessoas.
A situação no país é um recorte de um problema global. Segundo o Relatório Mundial sobre Drogas 2021, cerca de 275 milhões de pessoas fizeram uso dessas substâncias no mundo em 2020. Desses, mais de 36 milhões sofreram de transtornos associados ao uso de entorpecentes. Os dados fazem parte documento realizado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), publicado em maio do ano passado.
Em Jaú, município do interior do estado de São Paulo, a situação também não é diferente. Uma pesquisa de 2020 da Confederação Nacional dos Municípios revelou que Jaú está na faixa amarela da medição do nível de uso e tráfico de drogas. O alerta é ainda mais preocupante em cidades próximas como Dois Córregos e Igaraçu do Tietê, que já se enquadram na categoria vermelha.
Furtos, assaltos, roubos à mão armada e assassinatos por conta das drogas são uma das consequências desse aumento. A realidade dentro das unidades prisionais reflete o efeito cascata do quadro.
O Centro de Ressocialização “Dr. João Eduardo Franco Perlati”, conhecido popularmente como CR de Jaú, possuía, no fim do último mês de janeiro, 73% dos reeducandos presos por crimes ligados às drogas.
Pensando na necessidade de prestar assistência psicológica aos reeducandos, o “Supera – Escuta Ativa” foi implantado na unidade prisional no primeiro semestre de 2022. O projeto promoveu a escuta ativa aos internos, visando ampliar a consciência sobre o uso de drogas, desenvolvimento pessoal, além de reflexão e planejamento do projeto de vida dos beneficiários do regime semiaberto.
A viabilidade dos trabalhos foi possível graças ao SEMEAR*, por meio da diretoria do CR local, Instituto Ação Pela Paz, que apoiou com a aquisição de materiais e na organização e monitoramento de processos, em parceria com as Faculdades Integradas de Jaú (FIJ), que disponibilizou colaboradores para o atendimento psicológico de 40 internos.
Entre março e junho de 2022, aconteceram oito encontros com cada uma das quatro turmas de recuperandos, junto a dois profissionais terapêuticos, devidamente supervisionados pela instituição de ensino.
Para a Dra. Shaday Prudenciatti, psicóloga e Coordenadora Geral da Área da Saúde da FIJ, o principal objetivo desta iniciativa é orientar as pessoas privadas de liberdade sobre o uso de entorpecentes e minimizar os anseios relacionados ao momento de transição em que se encontram, com relação ao regime e ao processo de liberdade, além de ajudá-los no desenvolvimento pessoal, propiciando reflexão sobre o planejamento de vida.
“A assistência psicológica, bem como o suporte emocional de redes de apoio, como a família, auxilia no processo de reinserção social, como também na prevenção, tratamento e educação para a sobriedade com relação ao uso de drogas. Desta forma, favorecendo para que o indivíduo se mantenha sóbrio, se restabeleça e recomece a sua vida, incluindo a assunção de novos hábitos e responsabilidades”, explica a Dra. Shaday.
Dra. Vera Lúcia da Silva, diretora do CR de Jaú, faz parte dos atores responsáveis pela concretização do programa. Sua experiência à frente de unidades penais a preparou para estender a realidade do público que convive com os malefícios do uso abusivo de drogas. “É um obstáculo imenso. Para a vida toda ele precisará de um acompanhamento. O dependente tem de ser uma pessoa que trabalha a autoconfiança constantemente. Ela precisa saber que pode ser diferente, que pode dizer não. Trata-se de uma pessoa muito vulnerável”, diz.
A gestora enfatiza a necessidade de lidar com o assunto no campo da saúde. “Diante de uma ansiedade, uma crise, ele recai. Essa pessoa possui uma doença. Quem tem uma hipertensão ou diabetes toma remédio. Se eu sou um dependente químico eu preciso de um tratamento, pois as minhas emoções são mais impactantes se as relacionarmos com uma pessoa que não tem essa fraqueza”, explica Vera.
Estudos mostram que a quebra das relações sociais e familiares e o isolamento, em virtude do aprisionamento, leva a quadros emocionais e físicos intensos. Essa condição é um dos fatores que também torna o “Supera – Escuta Ativa” necessário.
“Sair do regime fechado e ir para o semiaberto traz várias emoções junto. Tem o retorno à sociedade, a ida para casa na saída temporária. Isso cria muita ansiedade. O que eu vou fazer da minha vida? Como vou montar minha progressão? Nisso vem o primeiro contato com a família e a pessoa verifica que tudo mudou. São anos de ausência. Tem o encaixe da pessoa em casa novamente. O projeto dá um suporte emocional importante nessa fase”, detalha Vera.
Dra. Shaday Prudenciatti explica que “a assistência psicológica é indispensável à pessoa privada de liberdade, tendo em vista uma atuação dirigida para a garantia dos direitos humanos, enfatizando a autonomia do sujeito e auxiliando no manejo de estratégias individuais e coletivas”. Ela contextualiza que o objetivo é “facilitar a dinâmica interna cotidiana, além da busca pela estabilidade emocional, para que a ressocialização se efetive da forma mais natural possível”.
Múltiplos beneficiados
Além dos reeducandos, outro público beneficiado com a iniciativa são os colaboradores que participam do projeto. De acordo com a psicóloga e psicoterapeuta Patrícia Pelegrina Rosseto, professora do Curso de Psicologia da FIJ, “a oportunidade de eles poderem compreender e intervir nessa realidade é fundamental para a formação”.
“Pode ser observado o desenvolvimento de habilidades como empatia e busca de compreensão do reeducando em sua singularidade pelos colaboradores”, diz a professora. Patrícia, que é Mestre em Ciências pela UNIFESP, ainda lembra que “o trabalho no programa ajuda a mostrar possibilidades de atuação da psicologia, e o impacto de intervenções embasadas nos conhecimentos científicos”.
Criado para atender o beneficiário durante o seu processo de ressocialização, a iniciativa se une a outro programa, estendendo-se para fora do período de reclusão. Os reeducandos do regime semiaberto que participaram do “Supera” e obtém a liberdade são encaminhados para o “Egresso Apoiando Egresso”.
Todo o trabalho é assistido pelo Ação Pela Paz e coordenado por Juberto Luis Galdino, pessoa egressa com formação técnica em Gestão Pública e experiência na formação de grupos para prevenção do uso de drogas egresso. Sua vivência o ajuda no intuito do trabalho, articulando o direcionamento dos participantes para uma rede de parceiros que o acompanha em seu desenvolvimento, seja na rede psicossocial do município ou em cursos profissionalizantes.
Os indicados poderão receber a assistência de entidades e associações como Narcóticos Anônimos, CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), CRAS (Centro de Referência de Assistência), entre outras. Além disso, os egressos podem obter formação profissionalizante e, também, ingressar no mercado de trabalho por meio do SENAC, CIESP, SENAI, SEBRAE e empresas parceiras.
Novas turmas do “Supera – Escuta Ativa” devem ser realizadas em breve.
Sobre o SEMEAR
O Semear (Sistema Estadual de Métodos para Execução Penal e Adaptação do Recuperando) foi criado em 2014 por meio do provimento da Corregedoria Geral da Justiça do Tribunal de Justiça de São Paulo e tem como parceiros a Secretaria Estadual de Administração Penitenciária e o Instituto Ação pela Paz. O programa busca maior efetividade na recuperação dos presos e suas famílias.
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