Ação pela Paz - Somos todos iguais

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Somos todos iguais

Por Bianca Lelis
Foto: Marco Biachetti
Foto: Marco Biachetti

Meu nome é Bianca Lelis Nogueira de Aguiar, sou mineira, tenho 25 anos e a minha história com as pessoas privadas de liberdade começou na faculdade de Direito em meados de 2014, e, desde então, esse é o caminho que escolhi para seguir.

Desde o início da faculdade eu já sentia algo diferente pelo Direito Penal e a área criminal. Fiz estágio em vários lugares, mas posso dizer com clareza que o estágio voluntário na Defensoria Pública de Minas Gerais mudou meu modo de pensar sobre as pessoas que praticaram um crime. Todavia, o meu ingresso ao quadro de funcionários da Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados – FBAC, entidade responsável por orientar e supervisionar as APACs, foi a consolidação da certeza de que o meu lugar é com os presos e condenados, principalmente após participar de uma Jornada de Libertação, 12º elemento fundamental do Método APAC.

Para fins de conhecimento a APAC – Associação de Proteção e Assistência aos Condenados – é uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, cuja finalidade é recuperar o preso, proteger a sociedade, socorrer as vítimas e promover a Justiça Restaurativa.

A sigla APAC faz ainda referência a uma metodologia própria composta de 12 elementos fundamentais que buscam atender integralmente as necessidades dos recuperandos (as), pessoas que cumprem pena privativa de liberdade na APAC, os quais, dentro da proposta apaqueana, são corresponsáveis por sua recuperação e reintegração social.

Nesse sentido, os 12 elementos são: 1) Participação da comunidade; 2) Recuperando ajudando recuperando; 3) Trabalho; 4) Espiritualidade; 5) Assistência jurídica; 6) Assistência à saúde; 7) Valorização humana; 8) Família; 9) O voluntário e o curso para sua formação; 10) Centro de Reintegração Social – CRS; 11) Mérito e 12) Jornada de Libertação com Cristo.

Foto: Guillaume Issaly
Foto: Guillaume Issaly

Dessa forma, o último e não menos importante elemento, o qual será palco para este relato é a Jornada de Libertação. Ápice da metodologia apaqueana, a Jornada tem duração de quatro dias e tem como finalidade maior estimular o recuperando (a) a adotar uma nova filosofia de vida por meio da reflexão e interiorização do verdadeiro sentido da vida.

Assim, desde o momento em que estudei sobre esse elemento fundamental, o meu coração bateu mais forte e queria muito participar de alguma jornada. E foi quando em meados de 2021 veio a notícia de que iria acontecer a primeira Jornada na APAC feminina de Frutal, em Minas Gerais, durante os dias 28, 29, 30 e 31 de outubro. Naquele momento, meu objetivo além de participar, era também vivenciar a experiência completa como se eu fosse uma recuperanda, até porque, de alguma forma todos nós somos recuperandos (as).

E, assim, eu fui, no dia 27 de outubro de 2021, iniciar a minha experiência de cinco dias como uma recuperanda: comendo, dormindo em uma cela e vivendo junto com todas aquelas pessoas que tinham praticado algum crime. Eu estava bem apreensiva, pois não sabia qual seria a reação delas e o que aconteceria nesses dias. Mas, desde o meu primeiro passo naquela APAC, eu já me sentia em casa. Fui extremamente bem recebida por todos, principalmente pelas recuperandas, as quais fiz laços que carrego até hoje comigo.

Participar da Jornada foi uma experiência única na minha vida, pois ela toca as profundezas dos nossos corações e arranca tudo de ruim que estava enraizado ali há anos. Ela nos proporciona um novo caminho para a vida e novos valores para seguir. Sou muito grata de poder ter vivido isso em minha vida, e principalmente grata por todas as pessoas que tornaram isso possível a mim e às recuperandas.

Posso afirmar que esses cinco dias vivendo como se estivesse presa não foram fáceis, pude sentir na “pele” como é a vida de quem cumpre pena. Eu me permiti muito me colocar no lugar delas e todos os dias eu vivi como elas. Não é fácil, pois a saudade da família e a vontade de estar lá fora com quem amamos é grande. Todas as noites, quando as celas eram trancadas, o aperto no coração vinha, porque não sabíamos o que está acontecendo no mundo lá fora e com quem amamos.

As pessoas precisam vivenciar essa experiência, ela nos transforma e nos faz olhar com mais amor, empatia e sensibilidade ao próximo. Penso que julgar quem está preso é uma tarefa árdua, pois o ensinamento mais importante que tirei desses dias foi que todos nós erramos e todos nós, sem exceção, somos capazes de praticar um crime. 

Devemos nos colocar sempre em um lugar de humildade e olhar para aqueles que estão privados de liberdade. Todos merecem uma segunda chance e merecem cumprir pena em um lugar digno e humano como as APACs, pois, como bem diz o lema das APACs, “ninguém é irrecuperável”, e, ao final percebemos que somos todos iguais.

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