Me chamo Júlio Cezar Matos de Souza, tenho 45 anos e nasci no bairro do Paraíso, em São Paulo. Fiquei quatro anos em um colégio interno no interior do Paraná, onde dos sete aos 11 anos de idade aprendi muito sobre teologia. Voltei a São Paulo e segui a vida entre os bairros da Mooca e a baixada do Glicério, ambos na região central de São Paulo, onde segui meus estudos em um dos melhores colégios públicos da cidade. Exatas sempre foi a minha paixão, e isso explica o meu fanatismo pelos números, datas e cálculos. 

A vida na região central da maior cidade do Brasil te convida a muitos desafios profissionais, mas também a aventuras. Na baixada do Glicério conheci um lado da vida que remonta as minhas raízes familiares, potencializada pelo clima tenso da região. 

O crime chegou muito cedo na minha vida. Viés herdado do meu pai, um velho conhecido da polícia paulista. Aos 12 anos de idade, investigadores da polícia já batiam na porta da minha casa a procura dele e de produtos de roubo.

Fui crescendo e me envolvendo cada vez mais em delitos.

No dia 06 de janeiro de 1998 cai na prisão. Foi a primeira de uma série de condenações que me custaram 14 anos de prisão em regimes prisionais diferentes. Foi no presidio de Franco da Rocha II, em 2010, que me reencontrei com o saber. Graças a expressiva pontuação que tive no Enem carcerário fui alçado à condição de professor por meio de um concurso para lecionar na unidade. Dei aula de conhecimentos gerais e testemunhei a qualidade e sabedoria desperdiçada de muitos reeducandos.

É daí que vem o apelido “professor”. Infelizmente, Franco da Rocha II não foi a minha última passagem pelo sistema prisional. Entre 2016 e 2020 passei ainda por três unidades prisionais até ganhar a minha tão sonhada liberdade. 

No dia 13 de julho de 2020 recebi meu alvará e, a partir dessa data, comecei reescrever minha história no mundão.

A música... 

Venho de uma família de maioria criminosa, infelizmente, mas como sempre digo, nascemos livres, o que nos aprisiona são nossas escolhas.

A paixão pelo rap nasceu dentro do complexo prisional do Carandiru, por meio de um amigo de cela que era da quebrada do Dexter, que inclusive cumpria pena por lá naquela época. Um certo dia ouvi um som do grupo Detentos Rap que narrava muito sobre a vida que eu entendia como ideal para a pacificação e igualdade social. Aquela música rimada me impactou tanto que ficou para sempre na minha playlist imaginária.

Aquele sentimento extraído pelo rap desenvolveu a minha veia poética, e foi assim que comecei escrever letras de rap com a temática da vida intramuros. Viver atrás das muralhas de um presídio, sob ordens severas e opressão, castiga muito a pessoa. Você só quer ganhar liberdade, mas enquanto ela não vem, ler e escrever me salvou, me tirou do ócio. 

A música “Recomeçar na Estrada” (assista ao vídeo abaixo) foi escrita a quatro mãos com o meu amigo Fábio Santos, egresso e mentor social no Instituto Recomeçar. A letra surgiu a partir da necessidade de se criar uma trilha sonora para os vídeos que eram produzidos pela equipe de comunicação para o projeto Recomeçar Itinerante. 

Essa provocação saudável me deu fôlego novo e revitalizou a minha autoestima. O meu sonho é que este trabalho que está no ar nas redes sociais ao lado do meu amigo Fábio, alcance outros egressos e egressas que acreditam na recuperação social e moral. Transformar vidas é possível. O Instituto Recomeçar entrou na minha vida em 30 de setembro de 2020. Hoje sou mentor, educador social e coordenador geral no projeto.

Minha vida mudou 360 graus. E espero que ela sirva de exemplo para todos que um dia passaram e irão passar por aqui!

Acredito que estou no caminho certo.