Olhar Mais de Perto
Um olhar diferenciado do sistema prisional
Por Celeste Maria Varella Abamonte
Quando recebi o convite para escrever nesta página fiquei muito contente pela oportunidade e, ao mesmo tempo, pensei o que dizer da minha experiência no sistema prisional em todos esses anos.
Passado uns dias me chamaram para participar de um programa de rádio, um bate papo justamente sobre este assunto. Sou daquelas pessoas que acredita que nada acontece por acaso, então pensei, no decorrer das perguntas que me foram feitas no programa, como as pessoas desconhecem, realmente, como funciona o cumprimento de pena dentro de um presídio no nosso estado. Foi criada uma ideia errônea de pessoas amontoadas, sem as mínimas condições de higiene e nenhum aprendizado. O que presenciei no sistema penitenciário do estado de São Paulo está muito longe disso.
Vivi muitas experiências dentro de unidades prisionais. Vi e ouvi todos os tipos de histórias das pessoas que ali cumpriam pena. Pessoas que optaram por uma vida sem limites, sem regras. Algumas diziam que não queriam sair do “mundo do crime” (ou não sabiam como sair). Ouvi frases do tipo “eu não vim pra cadeia pra trabalhar”, “quando sair vou direto pra biqueira”, “estudar pra que? nem minha mãe me obrigou ir pra escola’’ e por aí vai.
No entanto, pude presenciar, nesses mais de trinta e dois anos de sistema prisional como Agente de Segurança Penitenciária, agora chamados de Policial Penal, e Diretora que nem todos pensavam assim. Talvez, um número bem maior demostrava um desejo muito diferente, diziam-se arrependidos e demonstravam isso em atitudes, aproveitando as oportunidades que lhes eram oferecidas, como nas oficinas de trabalhos, nas empresas, nos estudos. Não vou romantizar e dizer que tudo é um mar de rosas, pois seria muita utopia numa realidade difícil como essa vivida num sistema prisional onde as pessoas presas, na maioria, não tiveram o mínimo de condições e estrutura social e familiar.
O que a maioria das pessoas desconhecem é que dentro das unidades penais existem toda uma previsão dentro da própria Lei da Execução Penal, a LEP, que assegura àquele ser humano, privado de liberdade, um cumprimento de pena digno, com direito ao trabalho, ao estudo e ao atendimento médico dentro do presídio.
Dentro das unidades, eles têm a oportunidade de estudar, por meio do EJA, o Ensino de Jovens e Adultos, ministrados por professores da rede estadual de ensino. Podem se alfabetizar, cursar o ensino Fundamental I e II e o Ensino Médio. Participam de Olimpíadas, como as de matemática, prestam o ENEM. Enfim, participam como se estivessem numa sala de aula da própria escola, chamadas de Escolas Vinculadoras. Algumas empresas buscam a mão de obra carcerária, dando oportunidade de trabalho dentro e fora do presídio. Recebem assistência médica dentro do presídio e, quando não, são encaminhados para as especialidades pelo Sistema Único de Saúde (SUS), às vezes são atendidos até mais rápido que um cidadão comum. No campo de trabalho, as empresas oferecem vagas e remuneram com um salário mínimo. As assistências religiosas visitam, semanalmente, as unidades de forma muito efetiva, levando um pouco de conforto àqueles que assim desejarem.
A sociedade civil, no decorrer dos anos, percebeu a necessidade e a importância de auxiliá-los de alguma forma e várias instituições se apresentam para ofertar cursos e palestras, auxiliando no que podem.
A importância de se preparar essas pessoas para retornarem ao convívio social é algo muito notório. Ultimamente, a maioria dos cursos ofertados, tanto por instituições do estado, como partindo da sociedade civil, vêm se preocupando com a profissionalização dessa mão de obra. O que é excelente, pois possibilita o apenado sair com algum preparo para poder recomeçar a vida, já com um certificado de qualificação em mãos.
São inúmeros os cursos oferecidos, dentro eles libras, bolos de potes, pintura predial, encanador predial, jardinagem, manicure e pedicure, cabelereiro (corte e penteado), salgados, bolos, design de sobrancelhas, empreendedorismo, auxiliar de recepção, cuidadores de idosos, entre outros. São formações que propiciam as pessoas a recomeçarem de dentro de suas próprias casas ou até mesmo em empresas, lojas ou como autônomos.
Quero destacar, em especial, o Instituto Ação pela Paz, por ter ido além nesse conceito, quando começou a pensar, não só em cursos profissionalizantes, mas em iniciativas que oferecessem as unidades prisionais momentos de autoconhecimento. Isso, realmente, tem feito a diferença na vida de muito deles, já que, como dito acima, muitas dessas pessoas sequer tiveram uma estrutura social, familiar e emocional. Apenas foram levando a vida, sem consciência de quem realmente são, o que as levaram a cometer o crime, o que desejam para o futuro, o que podem fazer de diferente para não repetirem tudo novamente. Posso citar exemplos como “Constelação Familiar”, “Paz no Coração, Liberdade na Prisão”, que estão tendo resultados e “curas” interiores fantásticas como eu mesma presenciei dentro da unidade onde trabalhei. Sem esse desenvolvimento emocional se torna muito difícil reconstruir uma estrutura, ter força para recomeçar, pois, na falta de um apoio externo, precisam acreditar em si mesmos pra recomeçarem.
Como se pode ver são muitas coisas que acontecem dentro dos presídios e muito diferente daquilo que se pensa e se julga externamente.
Finalizo com a resposta que dei ao entrevistador sobre o que penso sobre à pena de morte: definitivamente NÃO. Será que apenas os que estão encarcerados erraram ou erram? Somos seres imperfeitos, cheios de conflitos, traumas, vivências diferentes e preconceitos. Quem tem o direito a condenar alguém a este tipo de pena? Absolutamente ninguém, na minha opinião!