Olhar Mais de Perto
Uma nova criatura renasce para uma nova vida
Por Osmar da Silva Fiotkoski
Eu sou Osmar da Silva Fiotkoski, filho de Cesário Miceslau Fiotkoski e Apparecida da Silva Fiotkoski. Tenho três irmãos, sendo um falecido, assim como meus pais.
Aos 14 anos de idade, saí da minha casa definitivamente e nunca mais voltei. Apenas muito tempo depois recebi notícias de que meus pais estavam enfermos. Neste período todo, eu já estava envolvido com jovens como eu. Nós tínhamos muito conhecimento no meio dos moleques infratores que viviam na cidade.
Nosso ponto de encontro era na PUC, onde tínhamos muita amizade com vários jovens estudantes e que eram militantes políticos. Assim fomos aprendendo como deveríamos prosseguir na luta, qual nem tínhamos noção do perigo que estávamos correndo.
Na época, jovem rebelde, eu queria melhorias. Tempos muito difíceis em que muitos ficaram pelo caminho e outros simplesmente desapareceram. Nunca mais tivemos notícias de ninguém. Foram muitos confrontos com os aparelhos repressivos.
Quando completei 18 anos, já sabia que se fossemos presos em ação certamente morreríamos, mas, felizmente, o pior não aconteceu. No dia 25 de dezembro de 1972, fomos presos e imediatamente nos levaram para a casa de Detenção de São Paulo, o famoso Carandiru.
Daí em diante ficamos andando de um lado para o outro, mas em todos os lugares no qual estive eu trabalhei como encarregado de cozinha industrial. Era uma responsabilidade muito grande que eu tinha e que nós todos sabíamos ser um compromisso de suma importância.
Vários anos se passaram e eu continuei os estudos enquanto buscava resolver a minha situação processual. Eu já ultrapassava três décadas cumprindo pena!
Peticionei ao Mistério da Justiça Brasileira, notificando da minha existência prisional sob responsabilidade do Poder Público, pois eu havia cumprido mais de trinta anos, extrapolando o marco temporal de cumprimento penal. Então fui indultado e transferido para a colônia de Valparaíso para aguardar as documentações que viriam para que eu fosse posto em liberdade.
Ao chegar na colônia, conheci Leonardo Precioso e fizemos amizade. Começamos a dialogar ao longo de várias noites inteiras, buscando alguma alternativa que pudesse nos trazer um melhor entendimento da nossa própria situação quando deixássemos a prisão.
Solidificando nossas ideias, exaustivamente trocadas pelas madrugadas, pessoas às vezes nos interpelavam para saber quais eram nossos planos. Dizíamos que estávamos pensando em buscar um meio de criar algo que ajudasse muitas pessoas, pois nós todos estávamos prestes a sair em liberdade e sabíamos que íamos encontrar muitas dificuldades.
E eu que diga. Pensava, “poxa, perdi toda minha família e os que restaram simplesmente viraram as costas na hora que eu mais precisei”. Por isso, eu tinha convicção que muitas pessoas passavam pelos mesmos problemas. Penso muito nisso até hoje. Sabíamos que podíamos fazer o melhor e com certeza esse era o objetivo.
Numa das saídas temporárias que tivemos, no retorno à noite, Leonardo me chamou para falar sobre as novidades que trouxe. Fui tomado por uma felicidade imensa quando me contou ter reencontrado um amigo de infância que tinha uma ONG na cidade de Poá, na região metropolitana de São Paulo. De bate pronto disse: “pô, fala com ele para abrir uma janelinha para que nós possamos colocar em prática o projeto que tanto almejamos”.
Era, enfim, a ajuda necessária para que muitas pessoas não fossem empurradas para o crime novamente por falta de uma real oportunidade.
Comecei a detalhar o nosso esboço, porque entendemos naquele momento que podíamos fazer a diferença dentro da sociedade civil. Seríamos a própria resistência e mostraríamos que tudo é possível para aquele que crê e busca modificação plena. Uma nova criatura renasce para uma nova vida.
Nós conseguimos alcançar nosso objetivo em dar uma nova chance para os egressos do sistema prisional. Felizmente, hoje temos a felicidade de ver tantas pessoas retornando para o lugar que todos deveriam estar. Continuaremos lutando para minimizar esse grande problema.
Somos responsáveis por tudo aquilo que cativamos.