Olhar Mais de Perto

Um planeta chamado Sistema Prisional

Por Kaio Nunes
Foto: reprodução
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Às vezes ouvi que o sistema prisional era um mundo, mas, para mim, ele é um planeta, bem mais perto da Terra, se comparado à Marte, mas que causa bem menos interesse. Nós, enquanto sociedade, na maior parte das vezes, estamos mais preocupados em saber se há vida em Marte do que ver as vidas que estão no sistema prisional.

Há mais de oito anos eu ouço histórias sobre presídio e há quase dois anos trabalho com o tema, mais diretamente com pessoas egressas do sistema prisional. Sendo que nunca tinha pisado em uma unidade prisional na vida. Só passei pela porta de várias, até morei há dois quarteirões de uma.

Entrei no Ação Pela Paz dias antes de iniciar a pandemia. Isso dificultou a minha ida à uma unidade prisional para conhecer este planeta. Em dezembro de 2021, no dia que completei um ano e nove meses na organização, fui ao Centro de Detenção Provisório (CDP) Feminino de Franco da Rocha, em São Paulo. Mesmo com muita ansiedade para isso, eu não sabia como iria ser no momento que estava me direcionando para àquele espaço, no qual sempre ouvi muito falar.

Ali, em uma parte deste planeta, encontrei muita vida, histórias, vivências, medos, incertezas, ajuda, apoio, carências, inseguranças, alegrias, amizade e erros. E aqui também tem tudo isso, mas nossos erros não nos privaram de liberdade.

Entrega dos absorventes no CDP de Franco da Rocha / Kaio à direita - Foto: divulgação
Entrega dos absorventes no CDP de Franco da Rocha / Kaio à direita - Foto: divulgação

Quando penso neste local, não penso apenas nas pessoas privadas de liberdade, penso desde o servidor que fica na guarita na entrada da unidade até nos que abrem e fecham os portões para passarmos de um local para o outro.

É realmente um sistema, no qual todos que estão fazendo parte daquilo, permanecendo naquele lugar unicamente por um período maior ou passando pelo plantão e retornando para casa. E, também, pessoas como eu: que trabalham de alguma forma para apoiar essas pessoas que se encontram lá, se reeducando ou trabalhando.

Neste dia fui junto da equipe da Passarela Alternativa, uma organização da sociedade civil que atua com as práticas da justiça restaurativa por meio da moda, visando a diminuição da reincidência ao cárcere, entregar mil absorventes reutilizáveis para duzentas pessoas que menstruam. A ação faz parte do projeto “Abiosorvente” (que você pode ler mais sobre aqui), no qual eu tive o prazer de fazer todo o monitoramento durante os meses de execução.

Há muita coisa para eu pensar ainda, ler, estudar. É um planeta complexo, como qualquer outro. Sou grato às meninas que ali estavam e se sentiram seguras em se abrirem comigo, em conversar e me abraçar. Obrigado aos projetos que monitoro e me ensinam tanto. Obrigado ao Ação Pela Paz e todos da organização pela oportunidade de conhecer este corpo celeste.

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